domingo, 10 de janeiro de 2016

Espírito público: isso ainda existe?

Por Edson Vidigal *

Sou de uma época onde nas escolas aprendíamos matérias hoje consideradas obsoletas, descartadas de nossos currículos por serem “filhas da ditadura”, e que penso terem sido importantíssimas para a formação de meu caráter, como pessoa, e, principalmente, como cidadão, parte de um sentimento de coletividade chamado de nação. Tais matérias tinham os nomes de “Educação moral e cívica”, e   “Organização social e política do Brasil” (OSPB).
A primeira virou matéria obrigatória no governo de Getúlio Vargas, e destinava-se a cultivar nos estudantes as aptidões básicas para o convívio em sociedade, quais sejam, justamente a educação, a moral e o civismo. Sem educação, sem gentileza no trato com os demais, sem respeito aos demais e aos valores da coletividade, do civismo, não é possível uma convivência harmônica em sociedade. Sem valores morais, sem busca ética, não é possível a manutenção de uma sociedade, quanto mais o seu desenvolvimento.
A segunda, criada no governo de João Goulart, por inspiração de Anísio Teixeira, visava justamente a essencial preparação das crianças para a prática da cidadania, da vida dentro de uma democracia constitucional. A matéria foi criada nos moldes da educação francesa e americana. Eu mesmo, quando estudei no high school, cursei uma disciplina chamada “American Government”, onde aprendi, dentre outras coisas, o “Bill of rigths”, gama de direitos fundamentais dos cidadãos norte-americanos. Até hoje tenho o excelente livro, que me foi doado por minha professora, Miss McKwilan, ao final do curso, pois o livro já estava em época de ser substituído. No ensino americano, os livros são das escolas e passam de aluno para aluno, ano após ano, estimulando, inclusive, a conservação e o cuidado dos mesmo por parte dos alunos. Já imaginaram se fosse assim por aqui?
Voltando ao assunto, a disciplina OSPB era destinada a ensinar as instituições sociais e políticas de nosso país, a organização do Estado, dos poderes, a Constituição, os direitos e deveres dos cidadãos, os processos democráticos, as atribuições de nossos governantes, enfim, tudo o que é absolutamente necessário para que um indivíduo seja também cidadão, e participe ativamente da condução da vida pública de nosso país, do poder político institucionalizado, que a teor de nossa Constituição, é do povo, ou seja, é nosso.
Como exercer um poder que temos, se não temos a menor idéia dos mecanismos que temos à nossa disposição para tanto? Como exercer a cidadania se não sabemos nossos limites, nossos direitos? o que podemos cobrar e exigir de nossos governantes?
Enfim, por mais que tais matérias fossem (e ainda são, a meu ver) absolutamente necessárias para a existência de uma democracia verdadeira, participativa, conduzida pelos cidadãos, e não pelo poder econômico, elas foram extintas em 1993, pelo motivo que citei acima, por terem sido criadas na ditadura. Por mais que tenham sido de alguma forma manipuladas ideologicamente em seus conteúdos, como todas as demais disciplinas foram durante o período, e sempre o são, ao sabor da ideologia governante (como agora mesmo está acontecendo mais uma vez e praticamete ninguém ainda falou nada), trata-se de matérias importantíssimas e fundamentais para a democracia.
Talvez se ainda existissem, também existiriam ainda políticos com o chamado “espírito público”, que tanto nos falta. Esse “espírito público” que trago à baila, hoje muito demodê, nada mais é do que a consciência de que é necessário colocar os interesses da coletividade acima dos interesses pessoais de um ou de alguns indivíduos. Em outras palavras, é se importar mais com os outros do que consigo mesmo. Para mim, uma característica absolutamente fundamental a qualquer pessoa que se diga um político e que deseje contribuir para a sociedade por meio do exercício de uma função pública.
Para que alguém entenda o que seja espírito público, é necessário que tenha tido contato com valores morais, com a ética, com a filosofia moral e política. Para que alguém consiga por em prática tal espírito, é necessário que conheça a história de nossas instituições democráticas, os mecanismos que a sustentam, os direitos e deveres de cada cidadão, o motivo pelo qual cada função pública é necessária, os limites de poder necessários ao cumprimento de tais funções.
Para que alguém mereça, ou esteja apto a ser investido em um cargo público, principalmente um cargo político, que traz consigo a responsabilidade de representar cidadãos com o intuito de tomar decisões em seus nomes, e, claro, em seus interesses, é obvio que se faz completamente necessário não só o conhecimento, o entendimento acerca do espírito público, mas a própria condução de sua vida por tal espírito. Uma verdadeira abnegação.
Infelizmente, o que vemos são políticos preocupados apenas com interesses pessoais, seus, ou de grupos que os sustentam. Políticos preocupados apenas com a sua manutenção no poder. Tomando decisões extremamente prejudiciais para toda a nação, por orgulho, vaidade, egoísmo, ambição. E, claro, ao mais representativo e importante de todos os cargos de nossa nação, seria necessário, mais do que a qualquer outro, tal altruísmo, tal responsabilidade pelos demais cidadãos, pelo país, pela nação.
A única, repito, ÚNICA, agenda atual de nosso governo, é tentar barrar o impeachment de uma presidentA que não tem a menor condição de continuar governando nada, e já não tinha antes de se reeleger. Mas preferiu se reeleger, e prefere se agarrar no osso até a morte, sua, do país, de nós, brasileiros.
#‎juntossomosmuitos‬. É pra avançar!
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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