sábado, 27 de junho de 2015

PESSOAS E COISAS


 Lembro que na adolescência, quando ouvia falar em dignidade da pessoa humana, pensava logo: “que imbecilidade, isso é pleonasmo, se é humano, é claro que é pessoa também, pessoa e humano é a mesma coisa

Na verdade, na época o imbecil era eu, pois não sabia nem o que era “pessoa”, nem o que era “humano”, muito menos o que era “dignidade”. E o pior, como todo imbecil, eu tinha certeza de que sabia, sem ter a menor noção de que estava completamente enganado.

Só muitos anos e muitas centenas de livros depois é que eu fui perceber que a única coisa que eu sabia era que eu não sabia nada

Hoje, depois de muito estudo (a única ação que liberta o homem), entendo que “pessoa” e “humano” são conceitos que se completam, somando-se um ao outro, fortificando e deixando bem claro determinadas características de cada um dos indivíduos que vão se constituir no maior bem jurídico tutelado pelo Estado e pelo Direito ocidental moderno: a característica de autodeterminação de cada um de nós.

Na verdade, o necessário acréscimo da palavra “pessoa” no conceito de “dignidade da pessoa humana” tem a maior função de deixar claro (principalmente ao Estado e a nossos governantes) que somos PESSOAS, e não COISAS.

“Pessoas” e “coisas” são categorias filosóficas desenvolvidas no decorrer de séculos de filosofia, e que na idade moderna encontraram acolhida em nosso Direito ocidental, tendo sido o conceito de “pessoa” amparado por nossa Constituição e elevado à condição de princípio de nosso Estado Democrático de Direito (Art. 1°, III).

Em sua obra “Fundamentação da metafísica dos costumes”, o filósofo Kant explica a  distinção entre pessoas e coisas, que, resumidamente, em um primeiro contato, podemos sintetizar em 3 afirmações básicas: (1) As coisas são determinadas pela natureza e as pessoas se autodeterminam a partir de sua vontade; (2) As coisas são meios para a realização de um fim enquanto as pessoas são fins em si mesmas; (3) As pessoas podem determinar as coisas enquanto que as coisas não podem determinar as pessoas.

Por exemplo: Se eu largar um copo que esteja em minha mão, ele não terá escolhas, necessariamente cairá no chão, sendo determinado pelas leis da natureza (no caso a lei da gravidade). Já se eu estiver segurando alguém, e o soltar, ele poderá decidir, a partir de sua própria vontade, o que irá fazer em seguida. Se eu estiver com o mesmo copo na mão, eu posso colocá-lo na mesa, ou atirá-lo contra a parede. Ou seja, eu posso determinar a situação do copo. Por outro lado, eu, por mais que fisicamente possa empurrar alguém ou fazer algo nesse sentido, a lei me impede de fazê-lo, pois cada um tem o direito de se autodeterminar e de não ser determinado por ninguém mais, pois todos somos pessoas.

Nós, pessoas, temos vontade, temos escolhas, e não podemos ser determinados nem pela natureza nem pelas demais pessoas, sob o risco de sermos tratados como coisas.

O filósofo Marx criticava o capitalismo dizendo que ele “coisificava” as pessoas, ou seja, transformava-as em coisas, na medida em que as via como “força de trabalho”, ou “recursos humanos”. Sob essa ótica, as pessoas, que deveriam ser fins em si mesmas, são transformadas em meios para se alcançar outro fim: a produção, ou a geração de lucro. E isso seria uma completa inversão de valores, péssima para a sociedade.

Concordo com Marx, mas acrescento que o comunismo faz o mesmo com as pessoas, pois quer determinar o que cada um vai vestir, vai comer, onde vai morar, como o que vai trabalhar, o que vai pensar etc.

A importância de se distinguir pessoas de coisas é essa: resguardar os direitos das pessoas. Impedir que as pessoas sejam tratadas como coisas. Impedir que o Estado ou quem quer que seja submeta as pessoas às suas vontades. Garantir que as vontades das pessoas sejam respeitadas. Que cada um de nós possa buscar a sua felicidade da maneira que acreditar ser a melhor forma.

Então, quando dizemos que nosso Estado se funda na dignidade da PESSOA humana, estamos frisando a garantia de sermos fins em si mesmos, e em hipótese nenhuma sermos transformados em meios para outros fins senão aqueles que desejamos. Que não sejamos usados. Que não sejamos manipulados.

Não nos deixemos ser “coisificados” por ninguém. Precisamos sempre lutar por nossa dignidade, por nosso respeito. Lutar para que continuemos sendo sempre PESSOAS e não sejamos nunca transformados em COISAS.

#‎juntossomosmuitos‬. É pra avançar!

* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.


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domingo, 14 de junho de 2015

EU NÃO MEREÇO SER ESTUPRADO POR NOSSOS DEPUTADOS!


Por Edson Vidigal*

Há um tempo atrás, foi divulgada uma infeliz pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na qual 65,1% de quase 4 mil entrevistados responderam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser atacadas”, e outros 58,5% dos entrevistados concordaram com a frase “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.

Independente do IPEA, quando criticamos nossos (pseudo)representantes eleitos, nossos pUderosos de plantão, logo nos soltam uma outra pérola da sapiência popular, já surrada pelo uso constante: “cada povo tem os governantes que merece”.  Tal frase é usada à exaustão por aqueles acomodados com nossa situação de degeneração política vigente, aqueles que preferem se esquivar de suas responsabilidades e culpar o ente abstrato “povo” pelas mazelas que vivemos, ao invés de se esforçarem em fazer por merecer viver em uma sociedade digna, livre de pUderosos e de outras espécies de mazelas sociais.

Na verdade, essa frase, atribuída ao filósofo francês Joseph-Marie Maistre (1753-1821) , monarquista convicto e crítico fervoroso da Revolução Francesa,  teria sido “pinçada” de uma carta escrita em 1811, e publicada 40 anos mais tarde. A citação faz referência à ignorância do povo, que na visão do autor seria a responsável pela escolha dos maus representantes. Contrário a participação do povo nos processos políticos, o filósofo francês pregava que os desmandos de um governo cabiam como uma punição àqueles que tinham direito ao voto, mas não sabiam usá-lo.

Pois bem, não obstante todos os seus problemas, como bem disse  Winston Churchill , “a democracia é a pior de todas as formas de governo, excetuando-se as demais”.  Tá certo que esse mesmo cara também disse “eu aproveitei mais o álcool do que ele se aproveitou de mim”, mas isso não é motivo suficiente pra desmerecer todo o seu pensamento, não é verdade?

O fato é que a democracia, o tal do governo do povo, por mais que pouquíssimas almas vivas tenham ciência disso, é um mecanismo que visa evitar a concentração de poderes nas mãos de um ou alguns indivíduos, justamente criando um caos político tal que crie uma perpétua instabilidade do poder político, assim enfraquecendo cada um dos jogadores desse jogo, por meio dos demais. Ou seja, jogam-se os pUderosos uns contra os outros, para que eles próprios se enfraqueçam e, no fim, saiam ganhando com isso os indivíduos, que ficarão um pouco menos fracos em relação a seus governantes e seus abusos, assim acabando por se constituírem, também, em força política, fazendo parte do jogo.

Entretanto, um outro vetor tem que ser levado em consideração: O PODER ECONÔMICO. Este poder, caso não seja limitado por nossas instituições democráticas, acaba por subjugar todos os jogadores enfraquecidos dessa guerra chamada democracia. Principalmente o mais fraco de todos - o povo.
Assim, até aproveitando-se do caos político, da desejável instabilidade do poder político, o poder econômico domina a política, a população, os países, a democracia, o constitucionalismo, o direito, enfim, todas os mecanismos que deveriam nos proteger de abusos. 

E é o que temos visto diariamente nos jornais. As empresas dominando nossa agenda política, decidindo nossas eleições, conduzindo nossa economia, nossas políticas públicas, nossos deputados, nossos governantes, até mesmo nossos juízes, e, por fim, nossas vidas.

Se o tal do “povo” (que ninguém sabe ao certo o quê ou quem é) não está preparado para votar, por que então é obrigado a fazê-lo? Sem educação, sem cultura, sem nem ao menos ter o mínimo de dignidade para viver, como alguém pode estar preparado para decidir sobre o futuro de um país? Como alguém pode parar pra pensar sobre o futuro, sem nem ao menos ter certeza do presente? É claro que alguém que depende de sobreviver a cada dia sempre será imediatista, irresponsável em relação ao futuro, em relação aos demais membros da coletividade. Como diz o ditado popular, “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”.

O fato é que, claro, o “povo”, não está preparado para votar, e quem diz o contrário, desculpe-me, mas ou é hipócrita, ou alienado total. E claro, quando digo isso, não estou chamando de povo uma classe social específica, ou um grupo específico de pessoas. Na verdade, o “povo” é um ente abstrato que representa todos nós. Eu sou o povo, você é o povo. O povo é uma abstração jurídica que deve tomar as decisões, que deve exercer o poder político de nosso Estado. Na medida em que o exercemos, em que exercemos nossa cidadania, cumprimos com nosso papel de “povo”. Quando não, o “povo” fica vazio.

E é o que está acontecendo. O “povo”, este ente abstrato, está vazio. Esvaziado propositalmente por uma corja de políticos que, temendo a instabilidade política da democracia, resolveu se aliar ao poder econômico para se perpetuar no poder. 

Esse esvaziamento do “povo” é doloso, e causado por nossos próprios governantes. Eu faço diariamente a minha parte enquanto “povo”, enquanto cidadão. Não sou culpado dessa pouca vergonha que está sendo nossa política. Não tenho que ser punido sofrendo os desmandos de nossos governantes. Esta reforma política tem sido uma violência extrema contra nossa inteligência e nossa dignidade. Na boa, ao contrário do que possam dizer os hipócritas, EU NÃO MEREÇO SER ESTUPRADO POR NOSSOS DEPUTADOS!



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* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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terça-feira, 2 de junho de 2015

POR QUE O VOTO É OBRIGATÓRIO?


Na semana que entra deve ser analisada pelos deputados a temática referente à obrigatoriedade do voto, dando continuidade a esta dita “Reforma Política”, que na prática não tem passado de uma reforma eleitoreira conveniente apenas à manutenção perpétua dos mandatos de nossos atuais governantes.
Trata-se de matéria extremamente relevante, com reflexos para nossa democracia muito maiores do que se percebe à primeira vista.
Atualmente o voto, a teor do art. 14, §1°, de nossa Constituição, é obrigatório para todos os maiores de 18 anos, e facultativo para os maiores de 70 anos, e os que se encontram entre os 16 e os 18 anos.
Há os que defendem a manutenção da obrigatoriedade do voto (normalmente são os próprios governantes e seus assessores). A maioria esmagadora da população é contra, assim como diversos juristas e cientistas políticos.
Antes de tudo, cabe ressaltar que tal obrigatoriedade não é usual nas grandes democracias. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o voto é facultativo. Também na maioria dos países desenvolvidos.
Os argumentos normalmente utilizados por nossos governantes e por aqueles que se filiam à obrigatoriedade do voto são que somos uma democracia jovem, e que a obrigatoriedade do voto é necessária para estimular a participação política dos cidadãos no processo democrático, e teria efeito didático, ensinando nossa população a viver a democracia. Que a população ainda não teria maturidade suficiente para exercer por si só o seu direito político, e, ainda, que se trataria de um “direito-dever cívico”, imposto a todos porque necessário para a manutenção de nossa sociedade democrática.
Trata-se, penso eu, de argumentos hipócritas e contraditórios. Primeiro: porque os mesmos que defendem o voto como estímulo à participação democrática são contrários à criação e regulamentação de formas diretas de exercício da soberania popular, tais como plebiscitos, referendos, iniciativa popular, conselhos populares, orçamentos participativos etc. São os mesmos que impedem a população de estar presente nas discussões nos parlamentos, e que avocam para si a responsabilidade por tomar as decisões que deveriam ser tomadas a partir não de suas vontades, mas da vontade da população. Então, por que é necessário incentivar de forma obrigatória a participação popular apenas no voto, e coibir todas as demais formas de participação popular nos processos democráticos?
Segundo: porque ao mesmo tempo que consideram nessa hora que o povo não tem maturidade suficiente para exercer suas escolhas, que precisa de um Estado paternalista para obriga-lo a votar, defendem que a Justiça Eleitoral não tem que intervir nas propagandas eleitorais abusivas, que não deve interferir no “jogo democrático” entre os candidatos, justamente alegando que o povo é maduro suficiente para tomar suas escolhas, sem precisar de atitudes paternalistas do Estado.
Terceiro: Os mesmos que afirmam que é necessário o voto obrigatório para manter a população vivendo a democracia, aprendendo constantemente a exercer seu papel de cidadão, defendem uniformizar todas as eleições de uma vez só, para ocorrerem de 5 em 5 anos, deixando toda a população fora desse “exercício constante e didático da democracia” por meia década.
Percebem a hipocrisia? A completa contradição de argumentos e posturas? E isso é só o começo. Muitos outros argumentos hipócritas existem, mas aqui não há espaço para trata-los todos.
Quanto à questão do “direito-dever”, isso não existe. Pura falácia pseudo-jurídica. Vivemos em um Estado democrático de direito que tem como fundamento, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), que se consubstancia no direito de autodeterminação de cada indivíduo. Ninguém pode ser forçado a nada que não queira, ou que não acredite, em nosso país.
O art. 5°, VIII, determina que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Um exemplo disso é o serviço militar obrigatório. Ninguém pode ser obrigado de fato a servir o exército. Caso não queira, pode cumprir prestação cívica alternativa, que não ofenda às suas convicções. Já com o voto obrigatório, por má-fé de nossos constituintes, pensando em interesse próprio, isso não é assim. Contrariando os fundamentos de nossa Constituição, somos obrigados a votar, sem qualquer possibilidade de prestação alternativa. Se não votarmos, seremos sancionados com multas e restrições de inúmeros direitos.
E pergunto: Por que tamanha preocupação de nossos governantes em nos obrigar a votar, a ponto de que precisem contrariar os fundamentos de nossa Constituição e se valer de argumentos hipócritas e falaciosos? Respondo: porque se não fôssemos obrigados a votar, a grande parte da população não votaria, desestimulada pela corrupção, pela falta de candidatos aceitáveis, pela falta de alternativas disponíveis à esse mercado que se tornou nossa democracia. E se isso ocorresse, nossos governantes não teriam quase votos, e não poderiam, sempre que precisam, bater no peito e dizer: “O pUder é meu, foi me dado pelos eleitores!” Ou seja, não teriam legitimidade para fazer o que fazem.
Do jeito que está, os políticos não precisam de nós, mas apenas das empresas que os financiam e a quem eles devem satisfação. Com o voto facultativo, teriam que implorar a nós o voto. Ou seja, dependeriam de nós, e a nós deveriam satisfações.

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