Por Edson Vidigal*
Lembro que na adolescência,
quando ouvia falar em dignidade da pessoa humana, pensava logo: “que
imbecilidade, isso é pleonasmo, se é humano, é claro que é pessoa também,
pessoa e humano é a mesma coisa…”
Na verdade, na
época o imbecil era eu, pois não sabia nem o que era “pessoa”, nem o que era
“humano”, muito menos o que era “dignidade”. E o pior, como todo imbecil, eu
tinha certeza de que sabia, sem ter a menor noção de que estava completamente
enganado.
Só muitos anos e
muitas centenas de livros depois é que eu fui perceber que a única coisa que eu
sabia era que eu não sabia nada …
Hoje, depois de
muito estudo (a única ação que liberta o homem), entendo que “pessoa” e
“humano” são conceitos que se completam, somando-se um ao outro, fortificando e
deixando bem claro determinadas características de cada um dos indivíduos que
vão se constituir no maior bem jurídico tutelado pelo Estado e pelo Direito
ocidental moderno: a característica de autodeterminação de cada um de nós.
Na verdade, o
necessário acréscimo da palavra “pessoa” no conceito de “dignidade da pessoa
humana” tem a maior função de deixar claro (principalmente ao Estado e a nossos
governantes) que somos PESSOAS, e não COISAS.
“Pessoas” e
“coisas” são categorias filosóficas desenvolvidas no decorrer de séculos de
filosofia, e que na idade moderna encontraram acolhida em nosso Direito
ocidental, tendo sido o conceito de “pessoa” amparado por nossa Constituição e
elevado à condição de princípio de nosso Estado Democrático de Direito (Art. 1°, III).
Em sua obra “Fundamentação
da metafísica dos costumes”, o filósofo Kant explica a distinção entre pessoas e coisas, que,
resumidamente, em um primeiro contato, podemos sintetizar em 3 afirmações
básicas: (1) As coisas são determinadas pela natureza e as pessoas se
autodeterminam a partir de sua vontade; (2) As coisas são meios para a
realização de um fim enquanto as pessoas são fins em si mesmas; (3) As pessoas
podem determinar as coisas enquanto que as coisas não podem determinar as
pessoas.
Por exemplo: Se eu
largar um copo que esteja em minha mão, ele não terá escolhas, necessariamente
cairá no chão, sendo determinado pelas leis da natureza (no caso a lei da
gravidade). Já se eu estiver segurando alguém, e o soltar, ele poderá decidir,
a partir de sua própria vontade, o que irá fazer em seguida. Se eu estiver com
o mesmo copo na mão, eu posso colocá-lo na mesa, ou atirá-lo contra a parede.
Ou seja, eu posso determinar a situação do copo. Por outro lado, eu, por mais
que fisicamente possa empurrar alguém ou fazer algo nesse sentido, a lei me
impede de fazê-lo, pois cada um tem o direito de se autodeterminar e de não ser
determinado por ninguém mais, pois todos somos pessoas.
Nós, pessoas,
temos vontade, temos escolhas, e não podemos ser determinados nem pela natureza
nem pelas demais pessoas, sob o risco de sermos tratados como coisas.
O filósofo Marx
criticava o capitalismo dizendo que ele “coisificava” as pessoas, ou seja, transformava-as
em coisas, na medida em que as via como “força de trabalho”, ou “recursos
humanos”. Sob essa ótica, as pessoas, que deveriam ser fins em si mesmas, são
transformadas em meios para se alcançar outro fim: a produção, ou a geração de
lucro. E isso seria uma completa inversão de valores, péssima para a sociedade.
Concordo com Marx,
mas acrescento que o comunismo faz o mesmo com as pessoas, pois quer determinar
o que cada um vai vestir, vai comer, onde vai morar, como o que vai trabalhar,
o que vai pensar etc.
A importância de se
distinguir pessoas de coisas é essa: resguardar os direitos das pessoas.
Impedir que as pessoas sejam tratadas como coisas. Impedir que o Estado ou quem
quer que seja submeta as pessoas às suas vontades. Garantir que as vontades das
pessoas sejam respeitadas. Que cada um de nós possa buscar a sua felicidade da
maneira que acreditar ser a melhor forma.
Então, quando
dizemos que nosso Estado se funda na dignidade da PESSOA humana, estamos
frisando a garantia de sermos fins em si mesmos, e em hipótese nenhuma sermos
transformados em meios para outros fins senão aqueles que desejamos. Que não
sejamos usados. Que não sejamos manipulados.
Não nos deixemos
ser “coisificados” por ninguém. Precisamos sempre lutar por nossa dignidade,
por nosso respeito. Lutar para que continuemos sendo sempre PESSOAS e não
sejamos nunca transformados em COISAS.
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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