Lembro que na
adolescência, quando ouvia falar em dignidade da pessoa humana, pensava logo:
“que imbecilidade, isso é pleonasmo, se é humano, é claro que é pessoa também,
pessoa e humano são a mesma coisa…”
Na verdade, na
época o imbecil era eu, pois não sabia nem o que era “pessoa”, nem o que era
“humano”, muito menos o que era “dignidade” (confesso que ainda sou um tanto
quanto imbecil, essas coisas fazem parte do meu ser...). E o pior, como todo
imbecil, eu tinha certeza de que sabia, sem ter a menor noção de que estava
completamente enganado. Só muitos anos e muitas centenas de livros depois é que
eu fui perceber que a única coisa que eu sabia era que eu não sabia nada …
Hoje, depois de
muito estudo (a única ação que liberta o homem), entendo que “pessoa” e
“humano” são conceitos que se completam, somando-se um ao outro, fortificando e
deixando bem claro determinadas características de cada um dos indivíduos que
vão se constituir no maior bem jurídico tutelado pelo Estado e pelo Direito
ocidental moderno: a característica de autodeterminação de cada um de nós.
Na verdade, o necessário acréscimo da
palavra “pessoa” no conceito de “dignidade da pessoa humana” tem a maior função
de deixar claro (principalmente ao Estado e a nossos governantes) que somos
PESSOAS, e não COISAS.
"Pessoas” e “coisas” são categorias
filosóficas desenvolvidas no decorrer de séculos de filosofia, e que na idade
moderna se consolidaram e encontraram acolhida em nosso Direito ocidental,
tendo sido o conceito de “pessoa” amparado por nossa Constituição e elevado à
condição de princípio de nosso Estado Democrático de Direito (Art. 1°, III).
Em sua obra
“Fundamentação da metafísica dos costumes”, o filósofo Kant explica a distinção entre PESSOAS e COISAS, que, resumidamente,
em um primeiro contato, podemos sintetizar em 3 afirmações básicas: (1) As
coisas são determinadas pela natureza e as pessoas se autodeterminam a partir
de sua vontade; (2) As coisas são meios para a realização de um fim enquanto as
pessoas são fins em si mesmas; (3) As pessoas podem determinar as coisas
enquanto que as coisas não podem determinar as pessoas.
Já no século XVI,
o humanista Giovanni Pico della Mirandola, em seu famoso “discurso sobre a
dignidade do homem”, afirmava que assim disse Deus a Adão: “(...) a natureza
bem definida dos outros seres é refreada por leis por nós prescritas. Tu, pelo
contrário, não constrangido por nenhuma limitação, determiná-la-ás para ti,
segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Coloquei-te no meio do mundo
para que daí possas olhar melhor tudo o que há no mundo. Não te fizemos celeste
nem terreno, nem mortal, nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano
artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses
seguramente escolhido. Poderás degenerar até aos seres que são bestas, poderá
regenerar-se até as realidade superiores que são divinas, por decisão do teu
ânimo.” Já falava de autodeterminação humana.
O filósofo Marx
criticava o capitalismo dizendo que ele “COISIFICAVA” as pessoas, ou seja,
transformava-as em COISAS, na medida em que as via como “força de trabalho”, ou
“recursos humanos”. Sob essa ótica, as PESSOAS, que deveriam ser FINS EM SI
MESMAS, são transformadas em MEIOS para se alcançar outro fim: a produção, ou a
geração de lucro. E isso seria uma completa inversão de valores, péssima para a
sociedade. Concordo com Marx, mas acrescento que o comunismo faz o mesmo com as
pessoas, pois quer determinar o que cada um vai vestir, vai comer, onde vai
morar, como o que vai trabalhar, o que vai pensar etc., tratando-as como MEIOS
para um tal de BEM COMUM (seja ele o que possa ser…).
A importância de
se distinguir PESSOAS de COISAS é essa: resguardar os direitos das PESSOAS.
Impedir que as PESSOAS sejam tratadas como COISAS. Impedir que o Estado ou quem
quer que seja submeta as PESSOAS às suas vontades. Garantir que as vontades das
PESSOAS sejam respeitadas. Que cada um de nós possa buscar a sua felicidade da
maneira que acreditar ser a melhor forma.
Então, quando
dizemos que nosso Estado se funda na dignidade da PESSOA humana, estamos
frisando a garantia de sermos FINS EM NÓS MESMOS, e em hipótese nenhuma sermos
transformados em MEIOS para outros fins senão aqueles que desejamos. Que não
sejamos usados. Que não sejamos manipulados.
Não nos deixemos ser “COISIFICADOS” por
ninguém. Precisamos sempre lutar por nossa dignidade, por nosso respeito. Lutar
para que continuemos sendo sempre PESSOAS e não sejamos nunca transformados em
COISAS.
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