domingo, 28 de agosto de 2016

O que significa ser um "candidato"?

Por Edson Travassos Vidigal*


Sobre a palavra “candidato”, assim explica o Min. Costa Porto em seu "Dicionário do voto": 

"Do latim candidatus, aquele que postulava votos para quaisquer das magistraturas, em Roma, apresentando-se, em público, com vestes brancas – as toga candidae. A toga, de origem etrusca, normalmente feita de lá, era uma vestimenta de forma oval, posta sobre os ombros e terminando no tornozelo. A toga preta – pulla ou sórdida – era usada para o luto. A toga praetexta, ornada por uma faixa de púrpura, era a vestimenta dos magistrados e também das crianças até os 16 anos. A partir dessa idade, após uma cerimônia religiosa, os jovens usavam a toga virillis. Os generais, quando da entrada em Roma depois de uma grande vitória – na cerimônia que se denominava o triumphus –, usavam a toga picta, de cor púrpura. Em 432 a. C, uma lei proposta pelos cônsules Posthumius e Furius – umas das chamadas leges de ambitus(v. AMBITUS) – chegou a proibir aos candidatos o uso, nos lugares públicos, da togacandida."

Quanto à palavra “ambitus”, acrescenta: 

"Palavra latina que, na antiga Roma, designava, inicialmente o espaço de dois pés e meio (duo pedes et semis) que a Lei das Doze Tábuas determinava se deixasse entre duas habitações urbanas. Não observada essa distância, os deuses deixariam de proteger a mansão. O termo, depois, passou a designar qualquer delito de corrupção eleitoral. E denominavam-se leges de ambitus os muitos diplomas legais editados para proteger a lisura das eleições. Assim, a Lei Calpurnia, ao tempo de Cícero, que punia candidatos que oferecessem ao público iguarias, jogos de gladiadores e que se cercassem de pessoas assalariadas; a Lei Tulia, que punia os vendedores de voto com até dez anos de exílio e que qualificava como crime o pagamento de pessoas que acompanhassem o candidato; a Lei Poetelia, do ano de 358 a. C., que chegou a proibir se solicitassem votos nas reuniões públicas e mercados; a lei Maria, de 120 a. C., que criou as passagens ou pontes (pons suffragiorum) que permitiam o acesso de somente um eleitor e protegiam, desse modo, o votante do assédio dos candidatos e de seus cabos eleitorais. [...]" 

Os romanos tinham nas vestimentas um importante símbolo de status social. A toga era sua marca de distinção exclusiva. O seu uso não era permitido a estrangeiros e nem a escravos. Como bem explicado no verbete acima, existiam togas com características diversas, a fim de se possibilitar a identificação da condição social de quem as vestia. A toga candidae era, como dito, reservada ao uso daqueles que postulavam votos ao exercício de alguma magistratura. Daí deriva a palavra candidato (candidatus – “candidato, vestido de branco, aspirante”). A palavra candidus, de onde provém candidae, significa “branco, brilhante, sincero, franco”. Ainda, como visto, a palavra suffragium significava “voto, aprovação, estima”. Assim, poderíamos dizer que os candidatus aspiravam a receber a aprovação (suffragium) dos seus concidadãos.

Para postular seus votos, os candidatus trajavam a beca candidae (branca, alva, brilhante) que representava determinados valores (pureza, sinceridade, franqueza)[1]. A comunhão com tais valores, como se percebe, era exigida pela sociedade romana para que alguém se apresentasse na condição de aspirante a uma magistratura[2]. Ao vestir tal toga, o candidato afirmava, perante a sociedade, possuir tais valores. Ou seja, ele assumia um compromisso público tácito nesse sentido. Empenhava sua palavra, “assinava” uma declaração acerca de seu caráter, necessária à obtenção da confiança e da aprovação social (o suffragium).

Analisando a situação, percebemos que vestir a toga candidae, ou seja, ser candidato, representava declarar que se está ciente dos valores que a sociedade exige para o exercício da função pretendida e, no mesmo ato, declarar que os têm. Ou seja, para ser candidato, fazia-se necessário o preenchimento de uma pré-condição: corresponder aos valores adotados pela sociedade.

E não haveria que ser diferente nos dias atuais.

Não obstante a banalização do uso do termo “candidato”, e até mesmo a ignorância geral sobre o seu  real teor, tanto entre eleitores quanto entre muitos dos próprios postulantes aos cargos eletivos, a sociedade continua utilizando-o[3], bem como persiste exigindo o comprometimento de seus representantes para com os valores considerados necessários ao exercício do mandato, dentre os quais aquele que o define e denomina: a pureza.

De todo o exposto, depreende-se que a candidatura – que podemos definir sinteticamente como o imperativo de coerência entre o postulante e os valores constitucionais – é o substrato, a base filosófica que condiciona a postulação ao exercício de mandato eletivo. Assim, constitui-se em fundamento basilar ao direito eleitoral e etapa imprescindível ao processo eleitoral. A partir da rígida atenção aos preceitos da candidatura é que surgem os laços que vinculam os representantes eleitos aos valores que movem o Estado democrático de direito. A rigorosa obediência a este fundamento é indiscutível pressuposto de validade  do processo eleitoral e de legitimidade do exercício do poder político e da administração do Estado.

O povo brasileiro, por meio de seus representantes na Assembléia Nacional Constituinte, buscou a efetivação de determinados valores na condução da coisa pública, consignando-os no decorrer dos dispositivos constitucionais, uns de forma mais explícita, outros de maneira mais implícita. Tais são os valores que nosso Estado democrático de direito tem por dever constitucional exigir do candidato. Cabe aos operadores do direito eleitoral identifica-los e aplica-los, fazendo valer o fundamento da candidatura em seus termos, sob risco de restar comprometida a eficácia das eleições e do sistema representativo.
* (Trecho de meu livro "Fundamentos do Direito Eleitoral Brasileiro")



[1] Oportuno aqui, de forma a contextualizar o assunto na visão atual da sociedade: “CANDIDATO: do latim candidatus, vestido de branco. Na Roma antiga, aqueles que postulavam cargos vestiam-se de branco para vincular suas figuras à idéia de pureza e honradez que a cor branca sempre teve. Nas democracias, marcadas por escolhas periódicas de representantes do povo, os candidatos passaram a vestir-se de muitas outras cores, mas permaneceu a etimologia do vocábulo. Entretanto, dado o que aprontam vários deles, inclusive depois de eleitos, a pureza foi sacrificada em nome de pragmatismos diversos, que incluem alianças dos supostamente puros com os comprovadamente corruptos.” (SILVA, 2004, p. 159)

[2] Pelo mesmo motivo as noivas, em suas cerimônias de casamento, vestem branco. Para afirmar à sociedade que é pura.

[3] E nossa Constituição Federal o consagra juridicamente, empregando-o em seu texto nada menos que 60 vezes.





* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-SP, e da Comissão de Direitos Humanos do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Professor universitário de Direito e Filosofia,  músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
Siga Edson Vidigal no Twitter!
Twitter: @Edson_Vidigal
Facebook: edson.vidigal.36
Whatsapp: 98 99225 3636
e-mail: contato@edsonvidigal.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário