Por Edson Travassos Vidigal
“A segurança
jurídica é a espinha dorsal da sociedade. Sem ela, há sobressaltos, solavancos,
intranquilidade maior. O regime democrático a pressupõe. A paz social
respalda-se na confiança mútua e, mais do que isso – em proveito de todos, do
bem comum –, no respeito a direitos e obrigações estabelecidos, não se
mostrando consentâneo com a vida gregária, com o convívio civilizado, ignorar o
pacto social, fazendo-o a partir do critério de plantão”.
Essas brilhantes, perfeitas, e
necessárias palavras foram ditas pelo ministro Marco Aurélio (STF), quando
esteve na Universidade de Coimbra para uma homenagem ao professor Canotilho, no
ano passado. Marco Aurélio frisou na ocasião que o Brasil passa por uma perda
de princípios e uma perigosa inversão de valores em meio a crises econômicas,
financeiras e políticas. Que o Judiciário não pode ficar alheio a isso e que é
necessário que haja proteção à coisa julgada e à previsibilidade da Justiça.
Outro ponto importante de seu
pronunciamento, que registramos aqui, é seu entendimento contrário à tal das
modulações das decisões e à flexibilização da higidez do texto constitucional,
que, segundo ele (e eu assino embaixo), estimulam a edição de normas
inconstitucionais, bem como o descumprimento da Constituição.
Marco Aurélio, a meu ver, representa
tempos melhores de nosso STF: mais coerentes, mais estáveis, mais técnicos,
mais responsáveis. Mais comprometidos com a segurança jurídica e com a
responsabilidade do poder judiciário para com o pacto social. Para com os
direitos e garantias fundamentais que foram conquistadas com muita luta e muito
sangue derramado pelos indivíduos na tentativa de se proteger dos abusos de
seus governantes.
E uma Constituição deve ser isso: uma
garantia dos indivíduos contra os abusos de seus governantes. Daí o papel
chamado de contra-majoritário de nossa Suprema Corte. O Supremo (bem como o
judiciário como um todo) não deve surfar nas ondas dos interesses politiqueiros
de governos, de agentes políticos e grupos econômicos. Ao contrário, deve, a
despeito das disputas de poder entre facções políticas (pois atualmente não
temos partidos políticos e sim facções – grupos de pessoas unidas
oportunisticamente apenas com a finalidade de alcançar o poder e nele se
manter) proteger a segurança jurídica, a estabilidade do Estado. Assegurar o
cumprimento do pacto social, e da garantia de uma prestação jurisdicional
correta, segura, previsível, a partir da qual os cidadãos possam confiar no
Estado e, assim, que a paz social seja mantida.
Atualmente vivemos um enfraquecimento
de nosso Constitucionalismo. Nós, cidadãos, perdemos a cada dia mais espaço
para os grupos políticos e o poder econômico, que estão ditando, como bem disse
o ministro Marco Aurélio, os “critérios de plantão” para as resoluções das
lides judiciais.
Sob a desculpa de que o positivismo
jurídico não foi capaz de resolver os problemas sociais, cresce a cada dia uma
postura arbitrária e perigosa em nosso judiciário. Decisões estão sendo tomadas
ao gosto do juiz, sem a devida fundamentação legal. Muitas até a despeito da
lei, ou mesmo contrarias a esta. Ao invés de se buscar a decisão a partir do
estudo dos argumentos apresentados e do ordenamento jurídico, muitos estão
“escolhendo” suas decisões a partir de um subjetivismo por vezes inocente, e
por vezes criminoso.
Quem é advogado sabe que muitas vezes a
impressão que se tem é que se está falando com as paredes, pois nossos
argumentos são solenemente ignorados. Embargos de declaração, instrumento
jurídico que serviria justamente para impedir arbitrariedades nas decisões por
meio de se buscar o saneamento de dúvidas, contradições e obscuridades, estão
servindo absolutamente para nada, pois a resposta muitas vezes parece ser
automática, sendo dada simplesmente a partir de dois comandos: “control+C” e
“control+V”.
Faz-se necessário que nosso judiciário
volte a entender que é um órgão técnico, e não político. Que nos mecanismos de
um Estado Democrático de direito, é essencial que exista um órgão técnico,
imparcial, que modere o necessário embate entre Legislativo e Executivo, a fim de salvaguardar os indivíduos dos
estilhaços dessa guerra. A instabilidade política do Executivo e do Legislativo
é mecanismo necessário da democracia. Por outro lado, cabe ao Judiciário ser
estável, a partir da coerência com o ordenamento jurídico, e principalmente a
partir da defesa desse ordenamento e principalmente da Constituição. Esse é seu
papel democrático. Só assim pode-se manter o pacto social. Só assim os indivíduos podem acreditar que é
o melhor para eles seguirem as leis, e as decisões judiciais, ao invés de quererem
fazer justiça com suas próprias mãos.
Se ultimamente os linchamentos e demais
atitudes abusivas, ilegais e arbitrárias estão na moda, e crescendo a cada dia,
é porque a população está, por um lado, descrente na confiabilidade,
imparcialidade, justiça e segurança da prestação jurisdicional do Estado; e por
outro, porque está seguindo o exemplo de nosso judiciário, que em muitos casos tem
adotado a mesma postura que os linchadores, fazendo a sua própria justiça, de
forma ilegal, arbitrária e abusiva, com suas próprias mãos.
Fica aqui um apelo aos bons
magistrados, que não são poucos, para que reflitam sobre as palavras de nosso
ministro Marco Aurélio, e lutem para evitar o pior. A credibilidade do Estado
Democrático de Direito depende da segurança jurídica da prestação
jurisdicional. A segurança da sociedade, a paz social, depende da credibilidade
de nossas instituições democráticas. Pensem nisso.
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