sexta-feira, 21 de agosto de 2015

PRA QUEM O JUDICIÁRIO TEM TRABALHADO?

Por Edson Vidigal
Esta semana foi divulgado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) um levantamento inédito sobre os principais responsáveis pelo enorme congestionamento de nosso Judiciário. E o resultado apenas ratifica o que todos há muito já sabem, e que é o óbvio. Os principais “clientes” do Judiciário são o Poder Público (Federal, Estadual e Municipal), o setor financeiro e as empresas prestadoras de serviços públicos.
O levantamento foi realizado com dados de 2010 a 2013, e a pesquisa mapeou os 100 maiores litigantes por setor, nos polos ativo e passivo, no primeiro grau, no segundo e nas turmas recursais dos juizados especiais.
Tais “clientes” acima descritos são responsáveis por mais da metade de todos os litígios do país, e isso é uma situação bastante anômala e preocupante. Segundo João Ricardo Costa, presidente da AMB, isso “é uma realidade grave, que revela uma propensão ao litígio, especialmente pelos principais setores identificados, cujas causas devem ser examinadas em profundidade”, até porque “o cenário brasileiro destoa da realidade identificada em outros países e é um indicador de anormalidade”.
De fato, os principais “clientes” que monopolizam o Judiciário Brasileiro – impedindo que o mesmo preste aos cidadãos o serviço jurisdicional de forma adequada – têm todos uma ligação muito grande entre si. Todos desrespeitam nossa Constituição, nossas leis, e se valem do Poder Judiciário como mecanismo de postergar o cumprimento de suas obrigações, apostando justamente no congestionamento da jurisdição, em sua decorrente morosidade, nos altos custos com advogados e outras despesas necessárias nos litígios, dessa forma ganhando no custo-benefício com a escolha de burlar a lei e cometer abusos.
E este ponto, completamente esquecido por muitos de nossos juízes e legisladores, é muito importante. O Custo-benefício de se burlar a lei deve ser sempre tal que obrigue os agentes sociais a seguir a lei sem hesitar. E isto não ocorre atualmente.
Na ponta do lápis (é assim que a racionalidade capitalista rasteira funciona, infelizmente), sai muito mais barato à Administração Pública, às entidades do sistema financeiro, bem como às empresas prestadoras de serviço público (principalmente as de telefonia e comunicações) burlar a lei, cometer abusos, não cumprir com suas obrigações e desrespeitar direitos, confiando no congestionamento do Judiciário e, principalmente na hipossuficiência dos cidadãos que tiveram seus direitos violados.
Talvez se nosso Judiciário adotasse uma postura mais firme, condenando de maneira exemplar os abusos de tais entes, elevando em sobremaneira o custo de se burlar a lei, tal congestionamento fosse evitado, e a prestação jurisdicional do Estado atenderia aos demais cidadãos em suas necessidades, como deveria ser. Mas infelizmente isso ainda não ocorre. Muitos são os mecanismos e os “pseudo-princípios” inventados para garantir a impunidade dos mais fortes, e o monopólio do Judiciário como ferramenta de manutenção do status quo.
As decisões dos grandes são tomadas mediante a racionalidade econômica. E a partir de tal racionalidade é que os magistrados deveriam julga-los, impondo a verdadeira pena que de alguma forma possa impedir a prática da ilegalidade: o custo financeiro. Se as decisões fossem tomadas de forma exemplar, com pulso firme, impondo custos altos efetivos às práticas abusivas, tudo isso poderia ser evitado.
Apenas os magistrados podem acabar com a morosidade do Judiciário. Não é a aniquilação dos recursos, a imposição de acordos autoritários às partes, a supressão de instâncias, a afronta ao devido processo legal e ao duplo grau de jurisdição que vão acabar com a morosidade do Judiciário.
Não é o estabelecimento de metas irreais desumanas e absurdas a serem cumpridas pelos magistrados que resolverá tal problema. Processos não são pilhas de papéis sem vida – números para uma estatística. Processos são vidas de pessoas de carne e osso que estão sofrendo abusos e desrespeitos a seus direitos, e com muito respeito, tempo e dedicação devem ser analisados.
Se o Judiciário tem problemas com excesso de demanda, e sabe-se quem são os principais demandantes, em infinitas repetições, apenas examinando com rigor esta situação e se chegando a um posicionamento de se impor, de uma vez por todas, contra tais práticas abusivas é que o problema será resolvido.
Os problemas que o país enfrenta são óbvios, e todos conhecem bem: abusos, má prestação de serviços, corrupção, falta de fiscalização e impunidade. Esses são os males que devem ser combatidos com firmeza por nossos magistrados, de forma intransigente.
Finalizo esta reflexão com as palavras irretocáveis do presidente da AMB sobre o assunto: “Hoje, congestionar a Justiça é alimentar a morosidade. A Justiça não consegue atender o cidadão que busca o Judiciário para resolver os seus conflitos por que os Tribunais e Comarcas estão abarrotados de processos, resultantes da má prestação de serviços regulados e da falta de fiscalização dos órgãos que deveriam atuar para fazer valer a lei, sem que milhões de casos se transformassem em processos na Justiça”.