"Tudo que é realidade já foi sonho um dia."
(Jessica Freire)
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
POR QUE ALGUÉM SÉRIO ENTRARIA PARA A POLÍTICA?
Na época, com 17 anos, eu fazia parte da juventude do PSDB do
Maranhão, a qual tinha ajudado a organizar, junto com meus amigos Frankstone Spíndola
e Everton Pacheco. Dois idealistas que acreditavam que podiam fazer a diferença
e transformar a política do Maranhão em coisa séria. Me dividia entre o curso
pré-vestibular, o curso técnico em contabilidade, o taekwondo e nossas atividades
políticas.
Tais atividades políticas consistiam em ações diversas, tais como elaborar
um estatuto da juventude do PSDB do Maranhão; reunir-nos periodicamente para
discutir sobre temas relevantes à política, como formas de governo, formas de
Estado, formas de sufrágio, voto facultativo etc.; rodar o interior do Estado
proferindo palestras sobre a social democracia, o parlamentarismo e outras
bandeiras ideológicas por nós defendidas à época; discutir sobre a situação
política maranhense e as perspectivas de mudanças do que acreditávamos estar
errado; e, dentre tantas outras atividades, participar de reuniões nacionais do
Conselho Político da Juventude do PSDB, que, democraticamente, realizavam-se em
rodízio pelas capitais brasileiras.
Era difícil arranjar tempo e dinheiro para participar destas
reuniões. Normalmente tirávamos do bolso e conseguíamos alguns trocados com
alguns políticos do partido para pagar a passagem de ônibus mais barata
(normalmente na empresa transbrasiliana, lembro-me bem) para ficarmos às vezes
3 dias viajando até nosso destino, que muitas vezes era Brasília, São Paulo,
Belo Horizonte, Rio de Janeiro, e, me lembro, uma vez Teresina.
Comíamos quase que literalmente o pão que o diabo amassou. Lembro-me
que uma vez rasguei minha gengiva mastigando uma farinha que comi na estrada e estava
com um pedaço de osso quebrado no meio.
Todo o dinheiro que conseguíamos com muito custo era utilizado para
bancar tais aventuras políticas ideológicas.
E poderíamos nos perguntar: Pra quê tanto sacrifício?
Porque quando lá chegávamos, encontrávamos com pessoas iguais a nós,
dos mais variados lugares do país. Pessoas que, como nós, arriscavam tudo para
lá estar, discutindo temáticas políticas, administrativas, projetos, planos,
teses, doutrinas. Pessoas que se empenhavam em ser o melhor possível. Que
estudavam ciência política, direito, administração, economia, história, sociologia,
geografia. Pessoas que liam todos os jornais sempre, que participavam de
discussões ferrenhas dentro e fora do partido.
Pessoas que lutavam por um
ideal.
E éramos como uma família, que se encontrava periodicamente, tendo
como laços de sangue o desejo de participar de mudanças, de contribuir com
idéias, planos e projetos para o desenvolvimento do país, para a resolução de
muitos problemas sociais.
Claro que, como em todo lugar, tinham aqueles que lá estavam com
objetivos outros, menos honrados. Tinham os fisiologistas, os aproveitadores de
plantão, os politiqueiros profissionais, aqueles que, já velhos, ainda eram
pagos para ficar na juventude das faculdades, das escolas, dos partidos, como
sempre existiram, e existem até hoje.
Porém, eles eram minoria. E, a muito custo, conseguíamos mantê-los sob
controle.
Eu, que à época era muito inexperiente, cheguei até a acreditar em
muitos que achava serem honestos e que, depois, foram se desmascarando com o tempo,
muitas vezes passando por cima de mim ou de outros.
Mas, no geral, fizemos grandes amizades com pessoas de extremo
caráter e preparo técnico e intelectual.
Na verdade, todos ali eram muito
preparados. Ocorre que, como diz meu irmão mais velho, “o contrário do ótimo é
o péssimo”. E, como eu disse, tínhamos que conviver com alguns péssimos.
Nesta dinâmica, fomos vivendo e lutando, um dia após o outro.
Ocorre que, um dia, fomos convocados para a Convenção Geral do
Partido, que se deu em São Paulo capital. E lá fomos como delegados nacionais
do partido. Uma festa enorme, onde, mal sabíamos nós, seríamos os palhaços.
Lá chegando, logo nos envolvemos em grupos temáticos para discutir
questões específicas políticas, eleitorais, sociais, administrativas. Tudo como
deveria ser. E com o passar do dia, discursos inflamados foram feitos, diversas
manifestações ganharam espaço e debates acalorados se travaram. Tudo como
deveria acontecer em um encontro político.
Por fim, a Assembleia Geral
decidiu lançar candidatura própria para as eleições presidenciais que
viriam (era o ano de 1993). Nosso nome seria Fernando Henrique Cardoso. Foi
decidido que seria chapa puro sangue, ou, se necessário, haveria uma coligação
com algum partido que tivesse identidade programática conosco, e à época tal
partido era o PT (pasmem!!!). O PSDB era um partido de esquerda moderada. Um
partido de quadros extremamente preparados. Um partido de elite. Um partido que
nos orgulhávamos em fazer parte por sabermos que existia uma boa coerência
interna (a possível, claro). E ao final do dia, restou isso decidido.
No entanto, no calar da noite, em Brasília, alguns poucos do partido resolveram passar por cima de todos os ideais partidários, de todos os seus
filiados, de todos os seus delegados e de toda a Assembléia Geral do Partido, e
optaram por se coligar ao PFL, partido o qual a grande maioria do PSDB nunca
engoliria à época, com ideologia política e programática completamente diversa à nossa, social democrata.
Nossa decepção, tanto do partido como um todo, quanto na juventude
do partido em particular, foi imensa. E muitos quadros excelentes do partido debandaram pra
outras siglas partidárias.
Nossa juventude perdeu quase todos aqueles que
lutavam sinceramente por um ideal. Os honestos, os probos, os de bom caráter.
Lembro-me
como se fosse ontem o que sentimos, primeiro por ter que engolir aquilo,
depois, por ter que ver pessoas geniais desistindo de seus caminhos, largando o
partido à sorte daqueles que passamos tanto tempo refreando.
E no fim deu no que deu. O partido foi tomado à época por fisiologistas,
interesseiros, aproveitadores, oportunistas.
E lembro-me agora de uma máxima estampada no Blog de meu pai: “O mal
triunfa quando os bons se omitem.”
A excelente juventude do partido desmoronou. E vários que poderiam
agora estar ocupando lugares de destaque na política nacional, guiando com
competência e honestidade os rumos de nossa nação, simplesmente seguiram outras
vidas, deixando vago o seu espaço para outros despreparados e mal intencionados
ocuparem.
Eu me considero um desses. Um dos desistentes. Um dos que abandonou
a sua trincheira por nojo do que estava acontecendo, por vergonha de participar
daquilo, por medo de se tornar um deles.
Por necessidade de fugir para algum
lugar onde nossos valores fossem bem recepcionados.
E eu só me lembrava de meu avô, que tinha por tantas vezes me dito
que política não era lugar de gente séria.
E desse ponto em diante passei um bom tempo fugindo. Tentando
encontrar algum lugar onde não existissem mal-caráteres, onde não existissem
bandidos, cretinos, falsos, onde existissem apenas pessoas sérias.
E sabem o que eu descobri?
Simplesmente esse lugar não existe.
Descobri que, infelizmente, meu avô, que tanto admiro, e a quem
tanto devo, sobretudo meu caráter, meus valores cristãos, minha honestidade e
seriedade, estava neste ponto equivocado. Ele tinha suas razões, seus traumas,
seus motivos para querer me proteger desse mundo traiçoeiro da política.
Mas simplesmente não podemos apenas fugir. Pois aonde quer que
formos, sempre existirão aqueles que tornarão sua vida um inferno. Sempre
existirão os bandidos que lhe roubarão a paz, que lhe roubarão a justiça, que
lhe roubarão seus ideais, sua vontade, sua vida e, o pior de tudo, lhe roubarão
sua dignidade.
E em um momento eu cansei de fugir. Cansei de tentar fazer a minha
parte apenas em relação à minha família. Não posso colocá-la dentro de uma
espaçonave e levá-la a outro universo mais sério, mais honesto, mais probo. Não
posso protegê-la o tempo todo de todo o mal que nos cerca. Tentei e ainda tento
fazer a minha parte em relação a todos ao meu redor para buscar um mundo melhor
para mim, para meus filhos, para todos aqueles que buscam o mesmo.
E acredito que uma das melhores respostas para a pergunta formulada – “por
quê alguém sério entraria para a política?” – se encontra nas seguintes palavras de
Eduardo Alves da Costa, de um poema seu intitulado "No caminho com Maiakóvski":
"[...] Na primeira
noite eles se aproximam
e roubam
uma flor
do nosso
jardim.
E não
dizemos nada.
Na segunda
noite, já não se escondem;
pisam as
flores,
matam nosso
cão,
e não
dizemos nada.
Até que um
dia,
o mais
frágil deles
entra
sozinho em nossa casa,
rouba-nos a
luz, e,
conhecendo
nosso medo,
arranca-nos
a voz da garganta.
E já não
podemos dizer nada. [...]"
Ainda hoje escuto de meu pai: "Meu filho, a política não é lugar para gente séria".
Sei bem tudo o que ele já enfrentou na política lutando pelo que acreditava. E que ele precisa muito me proteger.
Sei bem tudo o que ele já enfrentou na política lutando pelo que acreditava. E que ele precisa muito me proteger.
Mas agora sei também o que ele já sabia muito bem desde antes de eu nascer:
Que o mal triunfa quando os bons se omitem!
* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
Facebook: edson.vidigal.36
e-mail: edsontravassosvidigal@gmail.com
Blog: edsontravassosvidigal.blogspot.com.brdomingo, 22 de setembro de 2013
MORRER PARA RENASCER
Há exatos 20 anos atrás eu estava aqui em São Luís, fugido do Rio de Janeiro, onde havia passado a minha
adolescência. Fugindo
de uma menina que eu tinha
conhecido no segundo ano do segundo grau e que eu amava de paixão, mas que,
infelizmente, não me queria.
Uma menina que me fez largar o colégio só pra não
passar pelo martírio diário de vê-la todo dia linda, maravilhosa, inteligente,
culta, impetuosa, convicta,
sabendo que seu coração não estava muito preocupado com o meu, dizendo de uma
forma mais agradável (pelo menos pra mim).
Larguei o colégio por 2 anos e fui ser músico, sonhando com um dia pouco provável, diria até utópico, que eu a teria em meus braços, e tocaria minha boca na sua.
Depois de muito sonhar, chegou um dia em
que eu percebi
que precisava me mexer. Sair
do lugar. Caminhar. Seguir em frente.
E resolvi fazer as malas e voltar pro meu lugar, pra minha casa,
pro meu
berço, pra minha cidade querida e pros meus avós queridos, pra minha gente, pra pôr minha vida no trilho novamente, fazer com que ela andasse.
Chegando aqui me inscrevi em um curso técnico de contabilidade, com o qual acabei o meu
segundo grau. Me inscrevi também em um cursinho pre-vestibular, intencionando passar para história na
UFMA.
E tudo ia bem, até que um dia recebi uma carta
inesperada. A remetente era
ninguém menos que meu amor não correspondido.
E começamos a nos corresponder semanalmente. E depois, quase que diariamente. Até o
ponto de que antes de uma carta retornar, já haviam duas ou três indo, e elas
começaram a se desencontrar. E em um dado momento as cartas não eram mais
suficientes para saciar a distância, e horas e horas de telefonemas ganharam
vida. Horas
e horas grudados ao telefone,
muitas vezes ambos mudos dos dois lados, só pra sentir a presença um do outro
madrugadas adentro.
E a coisa foi evoluindo e resolvi casar. Mas para isso eu precisava de renda. Então procurei algum concurso pra fazer.
Estava aberto o concurso para o Tribunal Eleitoral, que eu na época não sabia nem o que era, mas sabia
que, pelos meus cálculos, o salário dava pra me levar pra Brasília e tentar
convencer minha amada e o pai dela a casarmos enfim.
Deixei a faculdade de
lado e foquei no concurso,
quase 20 horas por dia, durante 2 meses da minha vida. Minha família, à exceção da minha tia, Teté, me
chamou de louco, de maluco, de irresponsável, inconsequente, sonhador,
lunático, utópico. Que era besteira, porque eu não iria passar concorrendo
com um monte de gente formada, da área, e que eu tinha era que estudar pra
passar no vestibular e ser alguém na vida.
Pois bem, me fiz de louco, como queriam que eu fosse, e pulei de cabeça no
concurso. Resultado, errei
apenas uma questão na prova de 60, e passei em 24° lugar.
Acabei o curso técnico de contabilidade e fiz, só por fazer, o vestibular da UFMA. Só por insistência do meu avô, que me levou até a porta do lugar pra
ter certeza de que eu o faria. Me lembro que entreguei as provas de química e biologia marcadas com a letra “D” de cima a baixo. O fiscal as recebeu e ficou rindo da minha
cara. Saí de lá escutando as gargalhadas
dele.
Um tempo depois, já morando em Brasília, meu avô me ligou e me disse que eu havia passado em primeiro lugar pra
história na UFMA.
Outro tempo depois fui nomeado pra ocupar meu cargo no TSE. Um ano depois tinha casado com aquela menina linda e já tinha encomendado um filho, que
demos o nome de Álex, que significa “protetor”.
Pois bem, ontem fazem exatos 19 anos que estou na Justiça Eleitoral, onde exerci cargos e funções as mais
diversas, passando pela mais baixa até a mais alta. E fazem exatos 20 anos que moramos juntos eu e minha esposa, aquela menina linda,
inteligente, culta, impetuosa pela qual me apaixonei com 16 anos de
idade.
E ontem foi o dia que pedi exoneração do emprego que me propiciou estar ao lado dela, que sustenta a nós, Álex (meu filho querido) e Marina (minha nova filhinha querida) há quase duas décadas. Que nos dá amparo e proteção, que nos garantiria nossa aposentadoria tranquila.
Abri mão disso ontem, sentindo um medo enorme de não ter como sustentar minha família. Um medo enorme de perder tudo pelo que lutei todos esses anos. Medo
de perder
minha família, e, ainda, medo
de que novamente
todos me chamassem de louco,
de irresponsável utópico.
Mas um medo maior me moveu. O medo de ficar acomodado, estagnado, paralisado. O medo de esquecer quem eu sou e o que eu
acredito. O medo de deixar de acreditar, de sonhar. E principalmente o medo de deixar de lutar pelo que se acredita e se sonha. O medo
de não lutar por minhas utopias.
Um dia sonhei em ter o amor da mulher mais perfeita que já conheci na vida, e
não obstante tudo parecer estar contra, um dia o consegui.
Um dia sonhei em ter um emprego que me pudesse propiciar casar com ela, e não obstante o fato de que
praticamente ninguém acreditava que eu conseguisse concorrer com milhares de
pessoas mais preparadas e mais experientes que eu, um dia eu consegui.
Um dia
sonhei em morrer
do lado dessa mulher, e todos
os dias de minha vida luto com todas as minhas forças pra conseguir isso.
Nesses
anos todos sonhei em mudar muitas coisas erradas que eu via ao meu redor. Muitas consegui mudar.
Outras ainda estou lutando para conseguir.
Essas foram e são algumas
de minhas utopias. Mas a maior de todas é morrer deixando o mundo um pouquinho melhor do que eu encontrei.
Tenho procurado fazer isso todos os dias de minha vida. Dentro
de casa, nos meus trabalhos (até ontem eram 4 empregos e nunca, desde os 16 anos, tive menos que 3 ao mesmo tempo), no Tribunal, no Ministério, nas salas de aulas com meus alunos.
E agora estou tentando
isso com um
passo mais ousado, voltando à arena política da qual me afastei por necessidade de constituir minha família, coisa mais importante na minha vida.
Ontem uma parte importante da minha vida
morreu, sem volta. Ontem deixei pra trás toda a segurança que eu tinha pra me arriscar de novo do zero, como há 20 anos atrás, na adolescência.
E fiz isso por um motivo muito maior que eu: por aquilo que acredito, por um sonho,
por uma utopia.
E muitos têm me chamado de maluco, de louco, de irresponsável.
E me perguntam muito pra que
serve um ideal que não se pode alcançar. Pra que serve lutar por
uma utopia.
Respondo sempre a todos que
o ideal
é um norte pelo
qual podemos nos guiar. É algo pelo qual vale a pena sair do lugar. É o que
baliza nossas ações, que nos mantém no caminho a despeito de tudo o que possa
estar acontecendo. É o que nos lembra quem somos e aonde queremos chegar. É o
que nos faz não deixar de ser nós mesmos, nos acomodar e ser mais um como tantos
outros antes de nós se tornaram.
Um ideal é o que nos mantém
vivos, na ativa.
Mesmo um ideal
utópico?
Insistem em me perguntar.
E eu respondo que a utopia é um
lugar maravilhoso
onde eu quero viver e pra onde quero guiar meus filhos, meus netos, meus amigos, meus conhecidos, meu povo.
A utopia é uma ilha da qual eu preciso
falar para todos
os que estiverem ao meu redor. É uma ilha que poucos sabem, mas está mais
perto do que se imagina. Bem aqui, dentro de nós. Está a menos de um passo, mas só podemos alcançá-la
caminhando.
Caminhando muito e sempre.
Caminhando muito e sempre
rumo ao norte que nos faz ser quem somos, nos faz ser quem queremos ser. Nos faz ser dignos de
sermos nós mesmos.
E merecem destaque as caras
palavras de Eduardo Galeano:
"A utopia está lá no
horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de
caminhar."
Estou aqui hoje porque eu conheci pessoas sérias, honestas e comprometidas com um ideal. E
estas pessoas me trouxeram até aqui, pra conhecer outras pessoas sérias,
honestas e comprometidas com um ideal. Outras pessoas iguais a mim, que lutam
por uma utopia.
Nós estamos aqui hoje porque somos iguais. Porque lutamos, porque
acreditamos. Porque, mesmo apesar de tudo, nunca deixaremos de buscar o que acreditamos, nunca deixaremos de
caminhar.
Caminhemos juntos sempre!
Facebook: edson.vidigal.36
* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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DIPLOMA EM 60 PRESTAÇÕES
Por Edson Travassos Vidigal*
Esta semana, infelizmente, ouvi de um aluno, com profunda tristeza e indignação, que este estava pagando por um produto: o conhecimento. Algo dito em alto e bom tom, com absoluta convicção.
Esta semana, infelizmente, ouvi de um aluno, com profunda tristeza e indignação, que este estava pagando por um produto: o conhecimento. Algo dito em alto e bom tom, com absoluta convicção.
Fico muito triste pela mentalidade que restou consagrada nos bancos acadêmicos de um tempo onde se pensa que o conhecimento é um produto, e que este pode ser comprado.
Na verdade, há muito, muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante, esta quase poderia ter sido uma máxima sofista. Foram os sofistas gregos que advogaram ser o conhecimento nada mais que a arte de convencer, a exemplo de Protágoras, que dizia ser o homem a medida de todas as coisas. Eles foram os primeiros professores profissionais da História ocidental, pois cobravam para ensinar tal arte. Mas mesmo eles não vendiam conhecimento. (Platão em alguns de seus diálogos iria além na polêmica aqui tratada, questionando: A verdade pode ser ensinada?)
Por mais que não concorde com tal visão sofística do conhecimento, acrescento que a sofística daquele tempo era feita com argumentos válidos, frutos de profunda reflexão e de árduo trabalho de pesquisa, de leitura, de pensamento, de discussões dialéticas e de construção de conhecimento. De preparo e dedicação a uma causa na qual acreditavam.
Muito pior que aquela, a nova sofística é oca, vazia de tudo, alienada, desprovida de razão, de estudo, de preparo. Desprovida de conteúdo e, principalmente, de valores.
Uma sofística que acredita que tudo pode ser vendido, ou comprado.
Uma sofística que acredita que tudo pode ser vendido, ou comprado.
Cabe ponderar que o conhecimento não é algo independente do sujeito. Não se pode simplesmente abrir uma embalagem bem transada de conhecimento e ingeri-lo aos goles. Ainda não inventaram a pílula do conhecimento.
O conhecimento não se vende, não se compra. Não é produto alienável.
É fruto de uma relação entre um sujeito que quer conhecer e um objeto que pode (ou não) ser conhecido.
Nenhum professor, nem ninguém, consegue abrir a cabeça de um aluno e enfiar nela conhecimento. Nenhuma faculdade consegue isso, e nenhuma faculdade pode vender um produto chamado conhecimento.
As instituições de ensino vendem, sim, um serviço. O serviço de propiciar aos alunos o contato com o conhecimento produzido por outros. O serviço de tentar expô-los a métodos que podem levar o próprio aluno a encontrar o seu conhecimento. Ou, como entendo, que possa levá-lo a construir o seu conhecimento.
O processo de construção de conhecimento é árduo, cansativo, difícil, lento e arriscado. E o pior de tudo é que ninguém pode trilhar esse caminho pelo aluno. O máximo que se pode fazer é pegá-lo pela mão e conduzi-lo por entre as veredas do conhecimento, por caminhos que você já seguiu e que já conhece um pouco mais que ele.
Poucos alunos atualmente estão dispostos a seguir por este caminho na busca de construírem o seu conhecimento. A grande maioria prefere acreditar que simplesmente se pode pagar por um produto.
E isso tudo em apenas 60 prestações.
A pior mentira é aquela que contamos a nós mesmos...
* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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