sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O que temos a comemorar nesse dia do advogado?

Por Edson Vidigal

 
“A segurança jurídica é a espinha dorsal da sociedade. Sem ela, há sobressaltos, solavancos, intranquilidade maior. O regime democrático a pressupõe. A paz social respalda-se na confiança mútua e, mais do que isso – em proveito de todos, do bem comum –, no respeito a direitos e obrigações estabelecidos, não se mostrando consentâneo com a vida gregária, com o convívio civilizado, ignorar o pacto social, fazendo-o a partir do critério de plantão”.
 
Essas brilhantes, perfeitas, e necessárias palavras foram ditas pelo ministro Marco Aurélio (STF)´, ano passado, quando esteve na Universidade de Coimbra para uma homenagem ao professor Canotilho. Marco Aurélio frisou na ocasião que o Brasil passa por uma perda de princípios e uma perigosa inversão de valores em meio a crises econômicas, financeiras e políticas. Que o Judiciário não pode ficar alheio a isso e que é necessário que haja proteção à coisa julgada e à previsibilidade da Justiça.
 
Outro ponto importante de seu pronunciamento, que registramos aqui, é seu entendimento contrário à tal das modulações das decisões e à flexibilização da higidez do texto constitucional, que, segundo ele (e eu assino embaixo), estimulam a edição de normas inconstitucionais, bem como o descumprimento da Constituição.
 
As palavras de Marco Aurélio, a meu ver, representam o anseio dos brasileiros, e sobretudo dos que militam diariamente nos tribunais em defesa dos indivíduos - os advogados, que lutam por decisões judiciais mais coerentes, mais estáveis, mais técnicas, mais responsáveis. Decisões mais comprometidas com a segurança jurídica e com a responsabilidade do poder judiciário para com o pacto social. Para com os direitos e garantias fundamentais que foram conquistadas com muita luta e muito sangue derramado pelos indivíduos na tentativa de se proteger dos abusos de seus governantes.
 
E uma Constituição deve ser isso: uma garantia dos indivíduos contra os abusos de seus governantes. Daí o papel chamado de contra-majoritário de nossa Suprema Corte. O judiciário não pode surfar nas ondas dos interesses politiqueiros de governos, de agentes políticos e grupos econômicos. Ao contrário, deve, a despeito das disputas de poder entre facções políticas, proteger a segurança jurídica, a estabilidade do Estado. Assegurar o cumprimento do pacto social, e da garantia de uma prestação jurisdicional correta, segura, previsível, a partir da qual os cidadãos possam confiar no Estado e, assim, que a paz social seja mantida.
 
Atualmente vivemos um enfraquecimento de nosso Constitucionalismo. Nós, cidadãos, perdemos a cada dia mais espaço para os grupos políticos e o poder econômico, que estão ditando, como bem disse o ministro Marco Aurélio, os “critérios de plantão” para as resoluções das lides judiciais.
 
Sob a desculpa de que o positivismo jurídico não foi capaz de resolver os problemas sociais, cresce a cada dia uma postura arbitrária e perigosa em parte do nosso judiciário. Decisões estão sendo tomadas ao gosto do juiz, sem a devida fundamentação legal. Muitas até a despeito da lei, ou mesmo contrarias a esta. Ao invés de se buscar a decisão a partir do estudo dos argumentos apresentados e do ordenamento jurídico, muitos estão “escolhendo” suas decisões a partir de um subjetivismo por vezes inocente, e por vezes criminoso.
 
Quem é advogado sabe que muitas vezes a impressão que se tem é que se está falando com as paredes, pois nossos argumentos são solenemente ignorados. Embargos de declaração, instrumento jurídico que serviria justamente para impedir arbitrariedades nas decisões por meio de se buscar o saneamento de dúvidas, contradições e obscuridades, estão servindo absolutamente para nada, pois a resposta muitas vezes parece ser automática, sendo dada simplesmente a partir de dois comandos: “control+C” e “control+V”.
 
Faz-se necessário que esta parte confusa de nosso judiciário volte a entender que é a função jurisdicional é antes de tudo técnica. Que nos mecanismos de um Estado Democrático de direito, é essencial que exista um órgão técnico, imparcial, que modere o necessário embate entre Legislativo e Executivo, a fim de salvaguardar os indivíduos dos estilhaços dessa guerra.
 
A instabilidade política do Executivo e do Legislativo é mecanismo necessário da democracia. Por outro lado, cabe ao Judiciário ser estável, a partir da coerência com o ordenamento jurídico, e principalmente a partir da defesa desse ordenamento e da Constituição. Esse é seu papel democrático. Só assim pode-se manter o pacto social. Só assim os indivíduos podem acreditar que é o melhor para eles seguirem as leis, e as decisões judiciais, ao invés de quererem fazer justiça com suas próprias mãos.
 
Se ultimamente os desrespeitos, desmandos e demais atitudes abusivas, ilegais e arbitrárias estão na moda, e crescendo a cada dia, é porque a população está, por um lado, descrente na confiabilidade, imparcialidade, justiça e segurança da prestação jurisdicional do Estado; e por outro, porque está seguindo o exemplo de  parte de nosso judiciário, que em muitos casos tem adotado a mesma postura que os linchadores de plantão, fazendo a sua própria justiça, de forma ilegal, arbitrária e abusiva, com suas próprias mãos.
 
Deixo aqui, como advogado, em nosso dia comemorativo, um apelo aos bons magistrados, que não são poucos, para que reflitam sobre as palavras de nosso ministro Marco Aurélio, e lutem para evitar o pior. A credibilidade do Estado Democrático de Direito depende da segurança jurídica da prestação jurisdicional. A segurança da sociedade, a paz social, depende da credibilidade de nossas instituições democráticas. Pensem nisso.
 
Deixo também o registro de minha admiração e respeito aos colegas advogados, que seguem com dignidade a sua profissão, a sua missão, que, quase um sacerdócio, é pilar fundamental da possibilidade de existência de um Estado de Direito.
 
Um grande abraço a todos os colegas. Meus parabéns por mais esse dia.

Edson José Travassos Vidigal
OAB DF 42228
OAB SP 373680
OAB MA 14624-A