Mais uma prova da
OAB, e milhares de diplomados desesperados fazendo de tudo para passar. Vi até
rodas de oração com dezenas de pessoas antes das provas. Fizeram mil cursinhos,
presenciais, on line, assistiram vídeos no youtube, compraram acessos na
internet a conteúdos preparatórios, dicas e macetes, decoraram respostas de mil
questões de provas, súmulas, julgados e entendimentos dos tribunais.
Movimentaram um mercado bilionário. A única coisa que a maioria esmagadora não
fez, foi aprender Direito durante os cinco anos no curso de bacharelado.
E não fez porque,
por um lado, uma parte não estava muito preocupada com isso. Por outro, outra
parte não tinha a menor condição nem de estar cursando o segundo grau, quanto
mais um curso superior. E pelo terceiro lado (uma visão tridimensional, pra não
fugir à tradição jurídica brasileira de falar besteira sobre o que não se
conhece usando nomes bonitos), não fez simplesmente porque, com raras exceções,
não tiveram acesso real a um curso de bacharelado em Direito.
Existem dois
tipos principais de curso superior no Brasil: o bacharelado, que forma
pesquisadores de uma área; e a licenciatura, que forma professores. O Direito,
atualmente, não tem nem um nem outro.
Não existe
licenciatura em Direito. O que me faz perguntar de onde vêm os próprios
professores do curso, já que poucos tiveram formação para exercerem o
magistério. Isso tanto por não existir licenciatura na área, quanto pelo fato
de que os mestrados deveriam, mas não dão essa formação, além de que a grande
maioria dos professores dos cursos de direito nem mestrado tem. Eu mesmo
leciono há 7 anos em cursos de Direito e ainda não acabei nenhum dos 4
mestrados que comecei, e nenhum deles tinha nenhuma matéria que capacitasse o
ensino (mas pelo menos fiz uma licenciatura em filosofia, onde cursei muitas
delas).
Já o bacharelado
em Direito, que no século passado formava pesquisadores, e dele saíram grandes
doutrinadores, pessoas capacitadas que construíram sistemas geniais em grandes
áreas, inclusive influenciando juristas e legislações de outros países, hoje em
dia (com raras e honradas exceções) se transformou em um grande engodo. Na
melhor das hipóteses, cursinhos preparatórios para a prova da OAB. Na pior, um
grande mercado de diplomas em 60 prestações a perder de vista (o “a perder de
vista” por conta do FIES e de outras enganações do gênero).
Não adianta tapar
o sol com a peneira. O fato é que nossos governantes venderam nosso ensino ao
mercado de capitais, aos fundos de investimento. Isso tanto os governos dos
ditos neoliberais, quanto os dos autodenominados “de esquerda” (que adotaram
exatamente as mesmas práticas de seus antagonistas). Acabaram com o ensino e
conseguiram destruir até a língua portuguesa, não só no Brasil, como em todo mundo
luso. O MEC é a instituição atualmente mais nociva ao ensino dos brasileiros,
por uma lista infindável de motivos. As entidades de fomento à pesquisa em
nosso país nivelam nosso ensino por baixo e estimulam a repetição da repetição,
a quantidade em detrimento à qualidade, os protecionismos, as panelinhas
acadêmicas, e a perseguição e manipulação ideológica de nossos estudantes em
detrimento do livre pensar, do pluralismo de idéias, da criatividade e das
inovações.
O ensino básico
no país virou um lixo onde analfabetos funcionais são diplomados por imposição
dos donos de escolas e principalmente pelas secretarias de educação, que
obrigam os professores a passarem de ano alunos sem a menor condição, apenas
para engordarem as estatísticas dos governos, vendendo conquistas mentirosas.
O ensino médio
público seguiu a mesma linha e o privado se converteu em cursinho preparatório
para o vestibular, onde não se ensina nada relevante para a vida em sociedade,
mas apenas se adestra para responder perguntas objetivas e fazer uma redação do
formato estúpido que é aceito nos concursos. Isso também para engordar as
estatísticas de aprovações de cada escola, o que vai render mais pais iludidos
matriculando seus pobres filhos em tais ditas instituições “de ensino”.
De todo esse
processo, chegam aos cursos superiores e, claro, ao de Direito, pessoas
despreparadas e sem a menor capacidade de leitura, de escrita, de
interpretação, de análise, de discernimento, de construção de idéias, de senso
crítico, de nada necessário a um jurista. São pessoas adestradas para decorar e
repetir o que leram e ouviram. E seguem nos cursos de Direito sendo estimulados
a isso, em virtude da prova da OAB, que também rende estatísticas capazes de
engordar os bolsos dos investidores donos das faculdades, que, claro, não estão
preocupados com ensino, nem com a formação de profissionais necessários para a
sociedade. Preocupam-se apenas com LUCRO. Gastar o mínimo e ganhar o máximo.
Então, para que ensinar direito, ter bons professores contratados, estimular
pesquisa, senso crítico e tal? Muito mais fácil e barato contratar professores
medíocres e sem formação adequada, sem vocação e sem a menor noção do que seja
o direito em si, para que sejam bons adestradores de concurseiros
profissionais: os futuros advogados, juízes, promotores, delegados e demais
“juristas” de nosso país.
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-SP, e da Comissão de Direitos Humanos do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Professor universitário de Direito e Filosofia, pesquisador do grupo “Capitalismo Humanista”, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
Siga Edson Vidigal no Twitter!
Twitter: @Edson_Vidigal
Facebook: edson.vidigal.36
Whatsapp: 98 99225 3636
canal do youtube:https://www.youtube.com/channel/UCCGmNJga6Xhj9PCn1_tDrug
e-mail: contato@edsonvidigal.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário