domingo, 24 de julho de 2016

Comércio de diplomas



Mais uma prova da OAB, e milhares de diplomados desesperados fazendo de tudo para passar. Vi até rodas de oração com dezenas de pessoas antes das provas. Fizeram mil cursinhos, presenciais, on line, assistiram vídeos no youtube, compraram acessos na internet a conteúdos preparatórios, dicas e macetes, decoraram respostas de mil questões de provas, súmulas, julgados e entendimentos dos tribunais. Movimentaram um mercado bilionário. A única coisa que a maioria esmagadora não fez, foi aprender Direito durante os cinco anos no curso de bacharelado.

E não fez porque, por um lado, uma parte não estava muito preocupada com isso. Por outro, outra parte não tinha a menor condição nem de estar cursando o segundo grau, quanto mais um curso superior. E pelo terceiro lado (uma visão tridimensional, pra não fugir à tradição jurídica brasileira de falar besteira sobre o que não se conhece usando nomes bonitos), não fez simplesmente porque, com raras exceções, não tiveram acesso real a um curso de bacharelado em Direito.

Existem dois tipos principais de curso superior no Brasil: o bacharelado, que forma pesquisadores de uma área; e a licenciatura, que forma professores. O Direito, atualmente, não tem nem um nem outro.

Não existe licenciatura em Direito. O que me faz perguntar de onde vêm os próprios professores do curso, já que poucos tiveram formação para exercerem o magistério. Isso tanto por não existir licenciatura na área, quanto pelo fato de que os mestrados deveriam, mas não dão essa formação, além de que a grande maioria dos professores dos cursos de direito nem mestrado tem. Eu mesmo leciono há 7 anos em cursos de Direito e ainda não acabei nenhum dos 4 mestrados que comecei, e nenhum deles tinha nenhuma matéria que capacitasse o ensino (mas pelo menos fiz uma licenciatura em filosofia, onde cursei muitas delas).

Já o bacharelado em Direito, que no século passado formava pesquisadores, e dele saíram grandes doutrinadores, pessoas capacitadas que construíram sistemas geniais em grandes áreas, inclusive influenciando juristas e legislações de outros países, hoje em dia (com raras e honradas exceções) se transformou em um grande engodo. Na melhor das hipóteses, cursinhos preparatórios para a prova da OAB. Na pior, um grande mercado de diplomas em 60 prestações a perder de vista (o “a perder de vista” por conta do FIES e de outras enganações do gênero).

Não adianta tapar o sol com a peneira. O fato é que nossos governantes venderam nosso ensino ao mercado de capitais, aos fundos de investimento. Isso tanto os governos dos ditos neoliberais, quanto os dos autodenominados “de esquerda” (que adotaram exatamente as mesmas práticas de seus antagonistas). Acabaram com o ensino e conseguiram destruir até a língua portuguesa, não só no Brasil, como em todo mundo luso. O MEC é a instituição atualmente mais nociva ao ensino dos brasileiros, por uma lista infindável de motivos. As entidades de fomento à pesquisa em nosso país nivelam nosso ensino por baixo e estimulam a repetição da repetição, a quantidade em detrimento à qualidade, os protecionismos, as panelinhas acadêmicas, e a perseguição e manipulação ideológica de nossos estudantes em detrimento do livre pensar, do pluralismo de idéias, da criatividade e das inovações.
O ensino básico no país virou um lixo onde analfabetos funcionais são diplomados por imposição dos donos de escolas e principalmente pelas secretarias de educação, que obrigam os professores a passarem de ano alunos sem a menor condição, apenas para engordarem as estatísticas dos governos, vendendo conquistas mentirosas.

O ensino médio público seguiu a mesma linha e o privado se converteu em cursinho preparatório para o vestibular, onde não se ensina nada relevante para a vida em sociedade, mas apenas se adestra para responder perguntas objetivas e fazer uma redação do formato estúpido que é aceito nos concursos. Isso também para engordar as estatísticas de aprovações de cada escola, o que vai render mais pais iludidos matriculando seus pobres filhos em tais ditas instituições “de ensino”.

De todo esse processo, chegam aos cursos superiores e, claro, ao de Direito, pessoas despreparadas e sem a menor capacidade de leitura, de escrita, de interpretação, de análise, de discernimento, de construção de idéias, de senso crítico, de nada necessário a um jurista. São pessoas adestradas para decorar e repetir o que leram e ouviram. E seguem nos cursos de Direito sendo estimulados a isso, em virtude da prova da OAB, que também rende estatísticas capazes de engordar os bolsos dos investidores donos das faculdades, que, claro, não estão preocupados com ensino, nem com a formação de profissionais necessários para a sociedade. Preocupam-se apenas com LUCRO. Gastar o mínimo e ganhar o máximo. Então, para que ensinar direito, ter bons professores contratados, estimular pesquisa, senso crítico e tal? Muito mais fácil e barato contratar professores medíocres e sem formação adequada, sem vocação e sem a menor noção do que seja o direito em si, para que sejam bons adestradores de concurseiros profissionais: os futuros advogados, juízes, promotores, delegados e demais “juristas” de nosso país.

* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-SP, e da Comissão de Direitos Humanos do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Professor universitário de Direito e Filosofia, pesquisador do grupo “Capitalismo Humanista”, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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