domingo, 28 de fevereiro de 2016

Quando até o STF passa por cima de nossa Constituição, quem poderá nos defender? Chapolin Colorado?

Por Edson Vidigal*
Como tentei mostrar semana passada, uma constituição é uma síntese de mecanismos jurídicos coerentes entre si que tenham por finalidade a proteção dos indivíduos contra os abusos de poder dos “pUderosos”.
Resumindo, é a fonte de toda defesa jurídica que possa ter um indivíduo contra os abusos de seus governantes, contra sua omissões e contra seus excessos. E ela não existe à toa. Existe justamente porque o uso do poder por pessoas de carne e osso invariavelmente leva a excessos, a abusos, à busca da utilização de tal poder para saciar vontades próprias e interesses particulares que se opõem ao interesse público (que considero ser nada mais que um conjunto de fatores sociais capaz de garantir a preservação da dignidade da pessoa humana, a autodeterminação de cada indivíduo da sociedade – a liberdade de cada um).
Tal é a importância deste documento base de cada organização jurídico-política moderna que normalmente existe um órgão do Estado especialmente incumbido da função de sua guarda e proteção. Em nosso país, tal órgão é o Supremo Tribunal Federal (STF), um colegiado de magistrados (chamados de “ministros”), que tem por competência constitucional, “precipuamente, a guarda da Constituição” (CF, art. 102).
Um dado peculiar é que o STF se ato-intitula um “corte constitucional”, sem ponderar que a palavra “corte” designava os parasitas sociais da baixa nobreza que “cortejavam” (paparicavam, puxavam saco, parasitavam) a realeza em infindáveis banquetes, festas, caçadas, orgias e outras atividades recreativas bancadas às custas das riquezas produzidas pelos plebeus, pelos camponeses que viviam praticamente para servir a tais “cortesãos e cortesãs” a fim de tentar sobreviver.
Chamo a atenção deste detalhe para propor a reflexão sobre um fato: talvez, dos poderes da república, o Judiciário seja ainda o que mais se encontra preso ao passado, a uma época de castas, estamentos, de privilégios de poucos em detrimento de muitos, de desigualdades, de discriminações no tratamento das questões que afrontam a paz social.
E isso é perceptível a partir de sua linguagem, forçadamente baseada em termos latinos sem a menor necessidade (o latim é língua morta há séculos, utilizada durante a idade média pela Igreja e pelos eruditos a fim de manter o conhecimento reservado apenas a alguns, longe do povo); a partir da forma hermética (fechada, confusa, de difícil acesso) de seus textos, propositadamente elaborada a fim de manter obscuros aos “não iniciados” os seus motivos, sua fundamentação (ou falta desta); por suas vestes – becas e togas negras da idade média que em nosso tempo parecem ridículas, mas fazem tremer o jurisdicionado diante de figuras que mais parecem um cortejo de vampiros em rituais macabros de sangrias de vítimas indefesas (em alguns países até aquelas ridículas perucas brancas com “bobs” fazendo cachos, usadas no século das luzes ainda fazem parte da indumentária forense); e (acrescento, para mim maior sintoma dessa estagnação temporal) é perceptível a partir do critério de investidura de seus mais altos membros, baseado na indicação por parte dos “pUderosos”, e na aprovação por parte dos mesmos, algo, em minha visão, completamente contra os ideais republicanos e democráticos, que exigiriam critérios mais objetivos, impessoais, técnicos e compatíveis com a função a que se destinam tais magistrados: dar a palavra final (técnica, jurídica, e não política, quanto mais politiqueira) acerca da compatibilidade dos atos sociais com o disposto em nossa Constituição.
Chamo atenção para tais detalhes que demonstram que talvez já tenha passado da hora do Judiciário se atualizar, sair do séc. XIX e entrar no séc. XXI. Isso desde as pequenas coisas, como sua linguagem e suas vestimentas, que, claro, repercutem diretamente sobre a sua credibilidade e a sua acessibilidade em relação aos jurisdicionados (seu verdadeiros patrões em uma república democrática), até as grandes coisas, como a perspectiva que devem ter em mente em suas decisões – a que em um Estado democrático de direito moderno, o direito é um sistema técnico fundado no pacto social e na busca da preservação da dignidade da pessoa humana, e para tanto, nossa Constituição, e principalmente os direitos fundamentais nela inscritos devem ser preservados a qualquer custo, sob pena de ruir todo o sistema jurídico conquistado no decorrer de séculos de lutas por direitos e garantias contra abusos.
Meus alunos bem sabem que me recuso a chamar qualquer tribunal de “corte”, e me recuso a usar termos em latim ou linguajar hermético, seja em textos acadêmicos, seja em peças processuais. Ainda, recuso-me a crer que não podemos depositar nossas vidas e nossa confiança nas mãos de magistrados que dedicaram suas vidas ao estudo e à luta contra as desigualdades e os abusos dos “pUderosos”, por meio da lei e do direito. Recuso-me a depender do Chapolin Colorado em um país constitucionalista…
#‎juntossomosmuitos‬. É pra avançar!
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições e por convicção política, de forma intransigente, não aceitou doações de empresas. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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