segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A CIDADE NÃO PARA

Por Edson Travassos Vidigal*

Hoje é um dia muito especial. Hoje estreia a primeira coluna assinada por mim em um jornal de grande circulação. A coluna "A cidade não para", que sai a partir de hoje todas as segundas no JORNAL PEQUENO, veículo de comunicação que, não obstante o nome, é enorme, pois já está em sua edição número 24.560 (62 anos de jornal), divide a maior fatia de leitores do Estado com o jornal "O ESTADO DO MARANHÃO" e tem circulação por 80% o Maranhão.

Tal conquista é muito importante para mim por vários motivos. 

Primeiro, porque, filho de pai e mãe jornalistas, desde criança sempre quis seguir a profissão, sempre participando de jornais na escola e na faculdade. Cheguei até a editar um pequeno jornal em Brasília distribuído gratuitamente em meu estúdio de ensaios. Ou seja, desde sempre fui jornalista amador. Tenho até hoje guardados com muito carinho duas máquinas de escrever, uma que pertenceu a meu pai, e uma que pertenceu a minha mãe, ambas recebidas de presente pelos mesmos.

Um segundo motivo é que meu primeiro emprego foi como jornaleiro, aos 15 anos, no Rio de Janeiro, em uma banca perto da praça Afonso Pena, entre a Tijuca e o Maracanã, ao lado do América Futebol Clube, em frente à feira que acontecia todos os sábados. Naquela época eu morava na Rua Conde de Bonfim, perto do Alto da Boa Vista, e pegava o ônibus bem cedo para às 5:30 já estar encadernando os jornais com a banca aberta (hoje em dia fico pra morrer com as bancas abrindo só lá pelas 8, 9 da manhã...).

O terceiro motivo é que meu pai, que também foi jornaleiro quando adolescente, teve o seu primeiro emprego digno como "Reporter Mirim", ao ganhar um concurso jornalístico com uma matéria intitulada "Contrabando de café no Porto da Estiva". E quem deu essa primeira oportunidade como jornalista a meu pai foi Ribamar Bogéa, justamente o fundador e dono do JORNAL PEQUENO, que acreditou na competência de meu pai e investiu nele.

Infelizmente, José de Ribamar Bogéa nos deixou em 1996. Atualmente, o jornal é gerido pelos filhos de Ribamar Bogéa, tendo como editor seu filho Lourival Bogéa, que também seguiu os passos do pai, tornando-se excelente jornalista e editor. E agora, repetindo o passado em seu eterno retorno (como diria Nietzsche), o filho de Ribamar, Lourival, acreditou em mim e me deu essa oportunidade, apostando em meu potencial como jornalista.

Claro que mostrei a ele meus livros, meus textos e várias matérias que já escrevi em diversas revistas culturais e jurídicas, seja como colaborador, como colunista ou como crítico musical. Já tive colunas nas revistas "BLUES'N'JAZZ" e "JAZZ+", e fui colaborador eventual das revistas "COVER GUITARRA", "COVER BAIXO", "TECLADO", "BATERA" e "CONSULEX". Mas fico imensamente grato pela confiança em mim depositada por Lourival Bogéa e os demais diretores do Jornal.

Deixo aqui registrado meus eternos agradecimentos ao meu pai e à minha mãe, pela genética recebida e pela influência de suas vidas que guiaram minha vocação (Não nasce goiabas de um pé de maçã...), a Lourival Bogéa e toda a diretoria do JORNAL PEQUENO, e a todos vocês, meus amigos, que sempre me apoiam em minha luta por dias melhores.


* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

NÃO SE DEIXE SEDUZIR PELO LADO NEGRO DA FORÇA

Por Edson Travassos Vidigal*



Hoje acordei com esta mensagem, vinda de uma grande amiga, minha professora do curso de filosofia da UFMA, minha orientadora tanto no curso como na vida. Minha musa na arte de lecionar. Uma pessoa especial, que com suas aulas radiantes, movidas a amor a Deus e paixão pelo conhecimento, conseguiu me cativar, assim como a tantos outros. Me pegou pela mão e me conduziu pelas veredas do conhecimento sem me deixar cair, ou me deixar perder.

Acordei com essa mensagem importantíssima, em meio a uma maratona de encontros, compromissos, propostas, conversas, visitas e tantas outras ações necessárias ao caminho que me propus, que me foi imposto pela vida, e que finalmente aceitei como missão.

E a importância dessa mensagem em minha vida e, acredito, na vida de todos nós, é tamanha, que resolvi transcrever aqui minha resposta, tentando contribuir com o dia de vocês da mesma forma que minha amiga do coração contribuiu para o meu:

"Faço de tudo o tempo todo pra tentar não me deixar seduzir pelo lado negro da força. Iria te dizer "não se preocupe", mas prefiro te dizer "preocupe-se sim comigo", me acompanhe e me ajude a me manter sempre do lado de cá da força. Preciso de meus amigos do meu lado sempre, pra me ajudarem a me manter no caminho que não fui eu quem escreveu, mas que preciso seguir. É muito difícil sobreviver incólume onde estou entrando. Sei disso. Praticamente nasci nesse meio, cresci e me desenvolvi por lá. Espero que eu já tenha adquirido anticorpos. Mas sempre toda a ajuda possível nunca é demais."

Compartilho com vocês estas palavras, e peço também a todos os outros amigos meus que estejam sempre do meu lado. Que me segurem pela mão e me ajudem a que eu não me perca nesse caminho tortuoso, traiçoeiro, cheio de enganos, tentações e falsos deuses.

Sou apenas um humano tentando fazer o melhor de mim.

Sei que não é fácil. Mas também sei que não posso deixar de tentar.

Espero que eu tenha sempre forças pra me manter no caminho. Espero que eu consiga sempre ser um instrumento de nossa paz.
Espero que eu consiga sempre não esquecer de quem eu sou, e de quem eu sempre preciso ser.

Obrigado por suas palavras absolutamente necessárias nesta manhã, professora Zilmara. Prometo que elas sempre estarão junto comigo nessa caminhada.


* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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domingo, 13 de outubro de 2013

DO CALOR VEM O VENTO (Em homenagem ao louco poeta)

Por Edson Travassos Vidigal*


Há hora pra tudo.

Pra suar, pra ventar, pra nadar, pra orar.

Há horas que não passam em meio ao calor que parece querer nos cozinhar em “banho maria”. E a fraqueza nos toma de assalto tentando fazer com que desistamos de tentar mudar o que nos incomoda, e tentemos adormecer e descansar no mormaço do dia.
Adormecer entre as galinhas, os patos, as cabritas e o jumentos que insistem em lembrar-nos de suas presenças.

Lembrar-nos de sua liberdade assistida. De um viver encarcerado entre muros que por mais distantes entre si que estejam, ainda estão lá.

Lembrar-nos de que é preciso lembrar. De que é preciso. De que, mesmo que em cativeiro (principalmente em cativeiro), é preciso. Lembrar a nós e lembrar aos outros que, como nós, ainda vivem nessa calma morna assistida.

E um cacarejar ininterrupto e insistente, que clama por atenção, só cessa ao encontrar o milho por entre a areia. Bicar o chão, ciscar, fazer poeira com os pés e as esporas em busca de se calar a boca e o estômago.

E uma sinfonia de “piares” tímidos e frágeis, que avança incerta, ingênua e ignorante do que vem, ou mesmo de que algo possa vir, segue apenas sua busca (não sei de que, e tampouco ela deve saber). Sinfonia  seguida vorazmente de atentas e estressadas asas, que apressadas lhes são sombras, ditando os caminhos e descaminhos do ciscar da sobrevivência.

E novamente a calma morna, quente.

Novamente a calma se deita.

E já quando se pensa que não, lá vêm os gritos indecentes dos jumentos. Rompantes indecentes e cínicos dignos de Diógenes em seu barril.

E novamente a calma morna, quente.

Novamente a calma se deita.

Arrefece a alma, esquenta o coração. Calma morna que dá a “vontade de nem sei” do Zeca. Calma quente que há muito tempo atrás me ensinou que há hora pra tudo. Que há hora pra correr, pra andar, pra pensar, pra fazer. Pra criar e pra realizar.

Novamente aquela calma morna, quente.

Que arrefece a alma, que esquenta o coração.

Que dá vontade de nem sei.

Que há muito tempo atrás me ensinou, em um longo dia que quase não acabou, que às vezes é hora de parar... de parar...

De parar... de parar.

De parar.



* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

DA CANDIDATURA*

Por Edson Travassos Vidigal*

Sobre a palavra “candidato”, assim explica Costa Porto (1995, p. 73): 


"Do latim candidatus, aquele que postulava votos para quaisquer das magistraturas, em Roma, apresentando-se, em público, com vestes brancas – as toga candidae. A toga, de origem etrusca, normalmente feita de lá, era uma vestimenta de forma oval, posta sobre os ombros e terminando no tornozelo. A toga preta – pulla ou sórdida – era usada para o luto. A toga praetexta, ornada por uma faixa de púrpura, era a vestimenta dos magistrados e também das crianças até os 16 anos. A partir dessa idade, após uma cerimônia religiosa, os jovens usavam a toga virillis. Os generais, quando da entrada em Roma depois de uma grande vitória – na cerimônia que se denominava o triumphus –, usavam a toga picta, de cor púrpura. Em 432 a. C, uma lei proposta pelos cônsules Posthumius e Furius – umas das chamadas leges de ambitus (v. AMBITUS) – chegou a proibir aos candidatos o uso, nos lugares públicos, da toga candida." (grifos nossos) 


Quanto à palavra “ambitus”, acrescenta: 

"Palavra latina que, na antiga Roma, designava, inicialmente o espaço de dois pés e meio (duo pedes et semis) que a Lei das Doze Tábuas determinava se deixasse entre duas habitações urbanas. Não observada essa distância, os deuses deixariam de proteger a mansão. O termo, depois, passou a designar qualquer delito de corrupção eleitoral. E denominavam-se leges de ambitus os muitos diplomas legais editados para proteger a lisura das eleições. Assim, a Lei Calpurnia, ao tempo de Cícero, que punia candidatos que oferecessem ao público iguarias, jogos de gladiadores e que se cercassem de pessoas assalariadas; a Lei Tulia, que punia os vendedores de voto com até dez anos de exílio e que qualificava como crime o pagamento de pessoas que acompanhassem o candidato; a Lei Poetelia, do ano de 358 a. C., que chegou a proibir se solicitassem votos nas reuniões públicas e mercados; a lei Maria, de 120 a. C., que criou as passagens ou pontes (pons suffragiorum) que permitiam o acesso de somente um eleitor e protegiam, desse modo, o votante do assédio dos candidatos e de seus cabos eleitorais. [...]" (PORTO, 1995, p. 34) (grifos nossos) 

Os romanos tinham nas vestimentas um importante símbolo de status social. A toga era sua marca de distinção exclusiva. O seu uso não era permitido a estrangeiros e nem a escravos. Como bem explicado no verbete acima, existiam togas com características diversas, a fim de se possibilitar a identificação da condição social de quem as vestia. A toga candidae era, como dito, reservada ao uso daqueles que postulavam votos ao exercício de alguma magistratura. Daí deriva a palavra candidato (candidatus – “candidato, vestido de branco, aspirante”[1]). A palavra candidus, de onde provém candidae, significa “branco, brilhante, sincero, franco”[2]. Ainda, como visto, a palavra suffragium significava “voto, aprovação, estima”[3]. Assim, poderíamos dizer que os candidatus aspiravam a receber a aprovação (suffragium) dos seus concidadãos.

Para postular seus votos, os candidatus trajavam a beca candidae (branca, alva, brilhante)[4] que representava determinados valores (pureza, sinceridade, franqueza) [5]. A comunhão com tais valores, como se percebe, era exigida pela sociedade romana para que alguém se apresentasse na condição de aspirante a uma magistratura[6]. Ao vestir tal toga, o candidato afirmava, perante a sociedade, possuir tais valores. Ou seja, ele assumia um compromisso público tácito nesse sentido. Empenhava sua palavra, “assinava” uma declaração acerca de seu caráter, necessária à obtenção da confiança e da aprovação social (o suffragium).

Analisando a situação, percebemos que vestir a toga candidae, ou seja, ser candidato, representava declarar que se está ciente dos valores que a sociedade exige para o exercício da função pretendida e, no mesmo ato, declarar que os têm. Ou seja, para ser candidato, fazia-se necessário o preenchimento de uma pré-condição: corresponder aos valores adotados pela sociedade.

E não haveria que ser diferente nos dias atuais.

Não obstante a banalização do uso do termo “candidato”, e até mesmo a ignorância geral sobre o seu  real teor, tanto entre eleitores quanto entre muitos dos próprios postulantes aos cargos eletivos, a sociedade continua utilizando-o[7], bem como persiste exigindo o comprometimento de seus representantes para com os valores considerados necessários ao exercício do mandato, dentre os quais aquele que o define e denomina: a pureza.

De todo o exposto, depreende-se que a candidatura – que podemos definir sinteticamente como o imperativo de coerência entre o postulante e os valores constitucionais – é o substrato, a base filosófica que condiciona a postulação ao exercício de mandato eletivo. Assim, constitui-se em fundamento basilar ao direito eleitoral e etapa imprescindível ao processo eleitoral. A partir da rígida atenção aos preceitos da candidatura é que surgem os laços que vinculam os representantes eleitos aos valores que movem o Estado democrático de direito. A rigorosa obediência a este fundamento é indiscutível pressuposto de validade  do processo eleitoral e de legitimidade do exercício do poder político e da administração do Estado.

O povo brasileiro, por meio de seus representantes na Assembléia Nacional Constituinte, buscou a efetivação de determinados valores na condução da coisa pública, consignando-os no decorrer dos dispositivos constitucionais, uns de forma mais explícita, outros de maneira mais implícita. Tais são os valores que nosso Estado democrático de direito tem por dever constitucional exigir do candidato. Cabe aos operadores do direito eleitoral identifica-los e aplica-los, fazendo valer o fundamento da candidatura em seus termos, sob risco de restar comprometida a eficácia das eleições e do sistema representativo.

* (Trecho de meu livro "Fundamentos do Direito Eleitoral Brasileiro")


[1] (BUSSARELLO, 1995, p. 38)

[2] idem

[3] ibdem, p. 221.

[4] ibdem, p. 97.

[5] Oportuno aqui, de forma a contextualizar o assunto na visão atual da sociedade: “CANDIDATO: do latim candidatus, vestido de branco. Na Roma antiga, aqueles que postulavam cargos vestiam-se de branco para vincular suas figuras à idéia de pureza e honradez que a cor branca sempre teve. Nas democracias, marcadas por escolhas periódicas de representantes do povo, os candidatos passaram a vestir-se de muitas outras cores, mas permaneceu a etimologia do vocábulo. Entretanto, dado o que aprontam vários deles, inclusive depois de eleitos, a pureza foi sacrificada em nome de pragmatismos diversos, que incluem alianças dos supostamente puros com os comprovadamente corruptos.” (SILVA, 2004, p. 159)

[6] Pelo mesmo motivo as noivas, em suas cerimônias de casamento, vestem branco. Para afirmar à sociedade que é pura.

[7] E nossa Constituição Federal o consagra juridicamente, empregando-o em seu texto nada menos que 60 vezes.



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domingo, 6 de outubro de 2013

"A GENTE TÁ PRECISANDO DE MÉDICO, DOUTOR..."





Ontem estive em Caxias, interior do Maranhão, cidade natal de meu pai. Parei na estrada para pedir uma informação e, logo que abaixei o vidro do carro, me veio o Sr. Carlinhos (na foto, à direita), e todo educadamente, depois que me passou a informação que eu solicitei, olhou pra mim e disse: "A gente tá precisando de médico, doutor!".

Virei pra ele e disse que infelizmente eu não era médico, mas advogado. Ele me disse que eles não precisavam de advogado. Que advogado não resolvia nada. Que precisavam de médicos. 

Com um copo de cerveja na mão (estava recebendo dois amigos em sua casa, ao fundo), seu rosto era um misto de alegria e desconsolo. 

Logo chegou um de seus amigos, o Sr. Edimilson (na foto, à esquerda), que, já bem alegre, me disse que era um "trepa fulepa" ("Eu que inventei isso!", repetiu-me entusiasmado algumas vezes) e me convidou para entrar em sua casa "de gente humilde" e tomar com eles um café ou uma cerveja.

Claro que aceitei o convite tão sincero de uma gente humilde que, não obstante não terem praticamente nenhuma posse ou recurso, sempre de sorriso no rosto oferecem tudo o que têm às pessoas que visivelmente têm muito mais a oferecer e nunca oferecem nada. 

E em pequenos grandes gestos, dão exemplo de bondade, hospitalidade, humildade, desprendimento, educação, honestidade e honra que deveria servir de lição a todos nós.

Lá chegando, fui apresentado ao Sr. Raimundo, o chefe da família, e às suas quatro filhas, todas educadas, banhadas, penteadas, arrumadas e com um lindo sorriso no rosto. Todos muito entusiasmados com a minha presença, me tratando como um rei em sua corte. 

Ficaram muito felizes em conversar comigo por alguns minutos enquanto eu os acompanhava em um copo de cerveja (não tomo café...). 

Falaram que o povo estava sofrendo muito, que eles trabalhavam muito e não conseguiam nada. Que alguém tinha que mudar isso um dia. Que não era justo com um povo tão sofrido morar em um lugar tão rico e viverem passando necessidade. Que era muito ruim não ser ouvido por ninguém, e ter a sensação de que eles não existiam pra ninguém. Percebi que, de fato, eles não precisavam de um advogado. Eles só precisavam de alguém que se dispusesse a ouvi-los.

E de fato, ontem, a única coisa que este advogado que vos fala pôde lhes oferecer foi um pouco de atenção. 

Sou advogado, não sou médico. Como advogado acredito que posso ajuda-los não litigando contra o Estado, ou contra o seus vizinhos, mas utilizando os conhecimentos que adquiri para cobrar dos Agentes públicos do Estado o desempenho de suas funções. 

Acredito que possa ajudá-los levando ao conhecimento de todos os seus direitos e seus deveres, fomentando uma atitude cidadã participativa, honesta, livre dos vícios que nos foram impostos por anos de corrupção administrativa que se incrustou até a alma de nossos governantes e até mesmo de boa parcela de nossa população, que por falta de exemplo melhor, acabou acreditando no "jeitinho brasileiro" como melhor forma de vida.

Acredito que posso ajudá-los tentando dar o exemplo. Fazer a coisa como acredito que deva ser feita. Não abrindo mão, em nenhum momento que seja, dos valores que me são caros e que acredito que devam regrar todas a minhas ações intransigentemente.

Porém, muito mais do que isso tudo, acredito que posso ajudá-los, como qualquer um de nós, advogado, médico, engenheiro, padeiro, motorista, lixeiro, professor, ou seja o que for, pode da mesma forma: sendo dignos de nos chamarmos pessoas humanas e, simplesmente, os tratando como iguais. 

Ouvindo-os. Dando-lhes um pouquinho de nada de atenção que seja.

Tentando, pelo menos por alguns momentos, tirar de seus rostos o amarelo do desconsolo, deixando transparecer, rubra, a alegria de seus sofridos corações.

E não consigo deixar de pensar, em um misto de tristeza e indignação, nas Associações profissionais, sempre corporativas, que insistem em dizer que nós não precisamos de médicos...

De fato, precisamos é de pessoas humanas, que ao menos escutem as queixas de seus pacientes, olhando-os nos olhos, antes de apressadamente já irem receitando o mais novo remédio que os laboratórios lhe impõem (sem nem ao menos terem que enfrentar a sala de espera...) em troca de seu juramento a Hipócrates...

Não posso generalizar e sei que existem grande médicos. Como existem grandes advogados, grandes juízes e grandes homens públicos. Mas temos sempre que nos lembrar que a grandeza reside nos pequenos gestos. Que são os que mais importam.

Prometi a eles que em breve voltaria para tomar outra cerveja com todos, dessa vez com mais tempo. E pretendo cumprir minha promessa. Porque acredito que o maior pecado de todos é fomentar, em vão, a esperança dos que acreditam. E assim lhes tirar a única coisa que eles ainda conseguem ter: 

a fé.



* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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