domingo, 6 de outubro de 2013

"A GENTE TÁ PRECISANDO DE MÉDICO, DOUTOR..."





Ontem estive em Caxias, interior do Maranhão, cidade natal de meu pai. Parei na estrada para pedir uma informação e, logo que abaixei o vidro do carro, me veio o Sr. Carlinhos (na foto, à direita), e todo educadamente, depois que me passou a informação que eu solicitei, olhou pra mim e disse: "A gente tá precisando de médico, doutor!".

Virei pra ele e disse que infelizmente eu não era médico, mas advogado. Ele me disse que eles não precisavam de advogado. Que advogado não resolvia nada. Que precisavam de médicos. 

Com um copo de cerveja na mão (estava recebendo dois amigos em sua casa, ao fundo), seu rosto era um misto de alegria e desconsolo. 

Logo chegou um de seus amigos, o Sr. Edimilson (na foto, à esquerda), que, já bem alegre, me disse que era um "trepa fulepa" ("Eu que inventei isso!", repetiu-me entusiasmado algumas vezes) e me convidou para entrar em sua casa "de gente humilde" e tomar com eles um café ou uma cerveja.

Claro que aceitei o convite tão sincero de uma gente humilde que, não obstante não terem praticamente nenhuma posse ou recurso, sempre de sorriso no rosto oferecem tudo o que têm às pessoas que visivelmente têm muito mais a oferecer e nunca oferecem nada. 

E em pequenos grandes gestos, dão exemplo de bondade, hospitalidade, humildade, desprendimento, educação, honestidade e honra que deveria servir de lição a todos nós.

Lá chegando, fui apresentado ao Sr. Raimundo, o chefe da família, e às suas quatro filhas, todas educadas, banhadas, penteadas, arrumadas e com um lindo sorriso no rosto. Todos muito entusiasmados com a minha presença, me tratando como um rei em sua corte. 

Ficaram muito felizes em conversar comigo por alguns minutos enquanto eu os acompanhava em um copo de cerveja (não tomo café...). 

Falaram que o povo estava sofrendo muito, que eles trabalhavam muito e não conseguiam nada. Que alguém tinha que mudar isso um dia. Que não era justo com um povo tão sofrido morar em um lugar tão rico e viverem passando necessidade. Que era muito ruim não ser ouvido por ninguém, e ter a sensação de que eles não existiam pra ninguém. Percebi que, de fato, eles não precisavam de um advogado. Eles só precisavam de alguém que se dispusesse a ouvi-los.

E de fato, ontem, a única coisa que este advogado que vos fala pôde lhes oferecer foi um pouco de atenção. 

Sou advogado, não sou médico. Como advogado acredito que posso ajuda-los não litigando contra o Estado, ou contra o seus vizinhos, mas utilizando os conhecimentos que adquiri para cobrar dos Agentes públicos do Estado o desempenho de suas funções. 

Acredito que possa ajudá-los levando ao conhecimento de todos os seus direitos e seus deveres, fomentando uma atitude cidadã participativa, honesta, livre dos vícios que nos foram impostos por anos de corrupção administrativa que se incrustou até a alma de nossos governantes e até mesmo de boa parcela de nossa população, que por falta de exemplo melhor, acabou acreditando no "jeitinho brasileiro" como melhor forma de vida.

Acredito que posso ajudá-los tentando dar o exemplo. Fazer a coisa como acredito que deva ser feita. Não abrindo mão, em nenhum momento que seja, dos valores que me são caros e que acredito que devam regrar todas a minhas ações intransigentemente.

Porém, muito mais do que isso tudo, acredito que posso ajudá-los, como qualquer um de nós, advogado, médico, engenheiro, padeiro, motorista, lixeiro, professor, ou seja o que for, pode da mesma forma: sendo dignos de nos chamarmos pessoas humanas e, simplesmente, os tratando como iguais. 

Ouvindo-os. Dando-lhes um pouquinho de nada de atenção que seja.

Tentando, pelo menos por alguns momentos, tirar de seus rostos o amarelo do desconsolo, deixando transparecer, rubra, a alegria de seus sofridos corações.

E não consigo deixar de pensar, em um misto de tristeza e indignação, nas Associações profissionais, sempre corporativas, que insistem em dizer que nós não precisamos de médicos...

De fato, precisamos é de pessoas humanas, que ao menos escutem as queixas de seus pacientes, olhando-os nos olhos, antes de apressadamente já irem receitando o mais novo remédio que os laboratórios lhe impõem (sem nem ao menos terem que enfrentar a sala de espera...) em troca de seu juramento a Hipócrates...

Não posso generalizar e sei que existem grande médicos. Como existem grandes advogados, grandes juízes e grandes homens públicos. Mas temos sempre que nos lembrar que a grandeza reside nos pequenos gestos. Que são os que mais importam.

Prometi a eles que em breve voltaria para tomar outra cerveja com todos, dessa vez com mais tempo. E pretendo cumprir minha promessa. Porque acredito que o maior pecado de todos é fomentar, em vão, a esperança dos que acreditam. E assim lhes tirar a única coisa que eles ainda conseguem ter: 

a fé.



* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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Blog: edsontravassosvidigal.blogspot.com.br

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