domingo, 22 de setembro de 2013

MORRER PARA RENASCER


Por Edson Travassos Vidigal*

Ontem foi um dia significativo para mim.  Muito significativo.

Há exatos 20 anos atrás eu estava aqui em São Luís, fugido do Rio de Janeiro, onde havia passado a minha adolescência. Fugindo de uma menina que eu tinha conhecido no segundo ano do segundo grau e que eu amava de paixão, mas que, infelizmente, não me queria. 

Uma menina que me fez largar o colégio só pra não passar pelo martírio diário de vê-la todo dia linda, maravilhosa, inteligente, culta, impetuosa, convicta, sabendo que seu coração não estava muito preocupado com o meu, dizendo de uma forma mais agradável (pelo menos pra mim).

Larguei o colégio por 2 anos e fui ser músico, sonhando com um dia pouco provável, diria até utópico, que eu a teria em meus braços, e tocaria minha boca na sua.

Depois de muito sonhar, chegou um dia em que eu percebi que precisava me mexer. Sair do lugar. Caminhar. Seguir em frente.

E resolvi fazer as malas e voltar pro meu lugar, pra minha casa, pro meu berço, pra minha cidade querida e pros meus avós queridos, pra minha gente, pra pôr minha vida no trilho novamente, fazer com que ela andasse.

Chegando aqui me inscrevi em um curso técnico de contabilidade, com o qual acabei o meu segundo grau. Me inscrevi também em um cursinho pre-vestibular, intencionando passar para história na UFMA.

E tudo ia bem, até que um dia recebi uma carta inesperada. A remetente era ninguém menos que meu amor não correspondido. 

E começamos a nos corresponder semanalmente. E depois, quase que diariamente. Até o ponto de que antes de uma carta retornar, já haviam duas ou três indo, e elas começaram a se desencontrar. E em um dado momento as cartas não eram mais suficientes para saciar a distância, e horas e horas de telefonemas ganharam vida. Horas e horas grudados ao telefone, muitas vezes ambos mudos dos dois lados, só pra sentir a presença um do outro madrugadas adentro.

E a coisa foi evoluindo e resolvi casar. Mas para isso eu precisava de renda. Então procurei algum concurso pra fazer. Estava aberto o concurso para o Tribunal Eleitoral, que eu na época não sabia nem o que era, mas sabia que, pelos meus cálculos, o salário dava pra me levar pra Brasília e tentar convencer minha amada e o pai dela a casarmos enfim.

Deixei a faculdade de lado e foquei no concurso, quase 20 horas por dia, durante 2 meses da minha vida. Minha família, à exceção da minha tia, Teté, me chamou de louco, de maluco, de irresponsável, inconsequente, sonhador, lunático, utópico. Que era besteira, porque eu não iria passar concorrendo com um monte de gente formada, da área, e que eu tinha era que estudar pra passar no vestibular e ser alguém na vida.

Pois bem, me fiz de louco, como queriam que eu fosse, e pulei de cabeça no concurso. Resultado, errei apenas uma questão na prova de 60, e passei em 24° lugar.

Acabei o curso técnico de contabilidade e fiz, só por fazer, o vestibular da UFMA. Só por insistência do meu avô, que me levou até a porta do lugar pra ter certeza de que eu o faria. Me lembro que entreguei as provas de química e biologia marcadas com a letra “D” de cima a baixo. O fiscal as recebeu e ficou rindo da minha cara. Saí de lá escutando as gargalhadas dele.

Um tempo depois, já morando em Brasília, meu avô me ligou e me disse que eu havia passado em primeiro lugar pra história na UFMA.

Outro tempo depois fui nomeado pra ocupar meu cargo no TSE. Um ano depois tinha casado com aquela menina linda e já tinha encomendado um filho, que demos o nome de Álex, que significa “protetor”.

Pois bem, ontem fazem exatos 19 anos que estou na Justiça Eleitoral, onde exerci cargos e funções as mais diversas, passando pela mais baixa até a mais alta. E fazem exatos 20 anos que moramos juntos eu e minha esposa, aquela menina linda, inteligente, culta, impetuosa pela qual me apaixonei com 16 anos de idade.

E ontem foi o dia que pedi exoneração do emprego que me propiciou estar ao lado dela, que sustenta a nós, Álex (meu filho querido) e Marina (minha nova filhinha querida) há quase duas décadas. Que nos dá amparo e proteção, que nos garantiria nossa aposentadoria tranquila.

Abri mão disso ontem, sentindo um medo enorme de não ter como sustentar minha família. Um medo enorme de perder tudo pelo que lutei todos esses anos. Medo de perder minha família, e, ainda, medo de que novamente todos me chamassem de louco, de irresponsável utópico.

Mas um medo maior me moveu. O medo de ficar acomodado, estagnado, paralisado. O medo de esquecer quem eu sou e o que eu acredito. O medo de deixar de acreditar, de sonhar. E principalmente o medo de deixar de lutar pelo que se acredita e se sonha. O medo de não lutar por minhas utopias.

Um dia sonhei em ter o amor da mulher mais perfeita que já conheci na vida, e não obstante tudo parecer estar contra, um dia o consegui. 

Um dia sonhei em ter um emprego que me pudesse propiciar casar com ela, e não obstante o fato de que praticamente ninguém acreditava que eu conseguisse concorrer com milhares de pessoas mais preparadas e mais experientes que eu, um dia eu consegui. 

Um dia sonhei em morrer do lado dessa mulher, e todos os dias de minha vida luto com todas as minhas forças pra conseguir isso. 

Nesses anos todos sonhei em mudar muitas coisas erradas que eu via ao meu redor. Muitas consegui mudar. Outras ainda estou lutando para conseguir.

Essas foram e são algumas de minhas utopias. Mas a maior de todas é morrer deixando o mundo um pouquinho melhor do que eu encontrei. 

Tenho procurado fazer isso todos os dias de minha vida. Dentro de casa, nos meus trabalhos (até ontem eram 4 empregos e nunca, desde os 16 anos, tive menos que 3 ao mesmo tempo), no Tribunal, no Ministério, nas salas de aulas com meus alunos. 

E agora estou tentando isso com um passo mais ousado, voltando à arena política da qual me afastei por necessidade de constituir minha família, coisa mais importante na minha vida.

Ontem uma parte importante da minha vida morreu, sem volta. Ontem deixei pra trás toda a segurança que eu tinha pra me arriscar de novo do zero, como há 20 anos atrás, na adolescência.

E fiz isso por um motivo muito maior que eu: por aquilo que acredito, por um sonho, por uma utopia.

E muitos têm me chamado de maluco, de louco, de irresponsável.

E me perguntam muito pra que serve um ideal que não se pode alcançar. Pra que serve lutar por uma utopia

Respondo sempre a todos que o ideal é um norte pelo qual podemos nos guiar. É algo pelo qual vale a pena sair do lugar. É o que baliza nossas ações, que nos mantém no caminho a despeito de tudo o que possa estar acontecendo. É o que nos lembra quem somos e aonde queremos chegar. É o que nos faz não deixar de ser nós mesmos, nos acomodar e ser mais um como tantos outros antes de nós se tornaram.

Um ideal é o que nos mantém vivosna ativa

Mesmo um ideal utópico? Insistem em me perguntar.

E eu respondo que a utopia é um lugar maravilhoso onde eu quero viver e pra onde quero guiar meus filhos, meus netos, meus amigos, meus conhecidos, meu povo

A utopia é uma ilha da qual eu preciso falar para todos os que estiverem ao meu redor. É uma ilha que poucos sabem, mas está mais perto do que se imagina. Bem aqui, dentro de nós. Está a menos de um passo, mas só podemos alcançá-la caminhando. Caminhando muito e sempre.

Caminhando muito e sempre rumo ao norte que nos faz ser quem somos, nos faz ser quem queremos ser. Nos faz ser dignos de sermos nós mesmos.

E merecem destaque as caras palavras de Eduardo Galeano:

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

Estou aqui hoje porque eu conheci pessoas sérias,  honestas e comprometidas com um ideal. E estas pessoas me trouxeram até aqui, pra conhecer outras pessoas sérias, honestas e comprometidas com um ideal. Outras pessoas iguais a mim, que lutam por uma utopia.

Nós estamos aqui hoje porque somos iguais. Porque lutamos, porque acreditamos. Porque, mesmo apesar de tudo, nunca deixaremos de buscar o que acreditamos, nunca deixaremos de caminhar.

Caminhemos juntos sempre!



* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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