quarta-feira, 24 de agosto de 2016

PORQUE EU DEFENDO O VOTO NULO

Por Edson Vidigal*


Muito me perguntam sobre os efeitos jurídicos do voto nulo. Se, de fato, como muitos pregam por ai, ele é capaz de anular uma eleição, caso 50% do eleitorado vote dessa forma.

Na verdade, a partir de nossa atual legislação, não é possível anular uma eleição votando nulo, infelizmente.

E digo infelizmente porque a questão é apenas a ponta do iceberg de um problema muito mais sério que enfrentamos no Brasil: um sistema eleitoral viciado que se sustenta em um processo de legitimação forçado, onde os cidadãos são obrigados a serem eleitores e a assinarem embaixo de um cheque em branco dado a candidatos impostos pelo poder político e pelo poder econômico. Candidatos que nos são empurrados goela abaixo, que somos forçados a engolir, a despeito de não corresponderem a nossos anseios.

Nossa democracia tem sido na verdade uma grande demagogia amparada em um sistema eleitoral que não corresponde aos princípios constitucionais de nosso Estado Democrático de Direito, mas apenas atendem aos interesses dos "puderosos de plantão", que sempre legislam em causa própria.

De fato, nossa legislação eleitoral é incoerente com todos os fundamentos de nosso Estado, prescritos no artigo primeiro de nossa Constituição, quais sejam: a soberania (popular), a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e, principalmente, o pluralismo político.

Não há que se falar em SOBERANIA POPULAR quando o poder econômico é quem dita os resultados das eleições, haja vista a possibilidade de doação de campanha por pessoas de forma desproporcional, bem como o repasse absolutamente desigual do dinheiro público do fundo partidário. O art. 14 da Constituição diz que o voto tem valor igual para todos. Como pode ter valor igual para todos se um cidadão pode doar infinitamente mais recursos para uma campanha do que milhares de outros cidadãos? 

Ao se fixar um percentual de renda como limite de doação, cria-se automaticamente um discriminador político. Um mecanismo de se institucionalizar o voto censitário de forma velada. Quem tem mais dinheiro, tem mais poder de influenciar os resultados das eleições, ou seja, tem um voto que vale muito mais que os de quem não tem muito dinheiro, ou não tem nenhum. Aliás, os que não têm dinheiro, e são obrigados a votar, acabam se deixando levar pelos favores concedidos por aqueles que muito têm, e que no fim das contas dão as cartas e elegem quem querem eleger. Como pode existir soberania popular desse jeito?

Não há que se falar também em CIDADANIA, quando as decisões politicas passam muito distantes da participação dos cidadãos. Quando a transparência dos atos da Administração Pública se resume a uma bonita lei que não é posta em prática e à exposição dos rendimentos dos servidores públicos, de forma individualizada (o que inclusive ofende direitos fundamentais, como o da privacidade).

Não há que se falar em cidadania, quando são coibidas as formas de manifestação social. Quando são desencorajadas as tentativas de se implementar mecanismos de democracia participativa. Quando não existem garantias de democracia intrapartidária, e os partidos são reduzidos a celeiros de grandes coronéis. 

Não há que se falar em cidadania quando o Estado prefere deixar na ignorância a população, que não sabe nem ao menos o mínimo sobre nossas instituições democráticas, as funções de cada representante eleito, ou a forma pela qual funcionam os nossos sistemas eleitorais. Como pode existir cidadania quando o cidadão é excluído de nossa política, sendo apenas chamado compulsoriamente a votar de 2 em dois anos, para apenas assinar embaixo e legitimar mandatos de pessoas que não representam ninguém além de seus próprios umbigos e dos interesses do poder econômico?

Ainda, não há que se falar em DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA em um país onde os eleitores são utilizados apenas como massa de manobra, onde as eleições são conduzidas pelo poder econômico, onde os eleitores são enganados por meio dos mais diversos artifícios de persuasão. 

A dignidade da pessoa humana se consubstancia na característica de autodeterminação de uma pessoa, que é sempre fim, e nunca meio para nada. As coisas é que são os meios para o fim da autodeterminação de cada pessoa. Ao transformar uma pessoa em meio para algo, se está transformando-a em uma coisa. Está se coisificando esta pessoa. 

E é o que acontece em nosso país: nossa legislação eleitoral coisifica os cidadãos. Transforma-os em coisas, em meios para se garantir uma legitimação artificial de determinados "puderosos de plantão". Somos obrigados a votar. Onde existe auto determinação nisso? Onde existe dignidade nisso? Somos obrigados a eleger um dos candidatos que nos é imposto. Onde existe autodeterminação nisso? No fim das contas, nossa legislação eleitoral tira nossa dignidade humana e nos transforma em coisas a serviço da conquista e manutenção do poder dos "puderosos de plantão" e seus corruptos financiadores.

E mais: como se pode falar em VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA quando se utiliza programas sociais como moeda de troca para se obter votos nas eleições? Quando os governos, ao invés de incentivarem o trabalho e o empreendedorismo como formas de se alcançar dignidade e crescer como pessoa e como membro da sociedade, prefere criar excluídos políticos, dependentes de assistência social eleitoreira? 

Quando muito se fala de "inclusão social" por meio de "políticas públicas" que mantém cada um dos excluídos cada vez mais fora da sociedade e de seus benefícios? Quando dão às pessoas mais carentes esmolas ao invés de lhes darem capacitação, educação e esclarecimento, únicas ferramentas capazes de os tirarem da marginalização e os inserirem com dignidade na sociedade, únicas ferramentas que os proporcionaria liberdade das mãos de seus senhores de engenho? A verdadeira inclusão necessária é a INCLUSÃO POLÍTICA!

Mais importante de tudo, como se falar em PLURALISMO POLÍTICO em uma legislação eleitoral que privilegia os grandes partidos e os atuais detentores do poder? Que cria óbices os mais variados para toda e qualquer oposição? Que ataca minorias e praticamente impede que apareçam novas propostas, novos nomes, sem que estes se submetam às práticas viciadas de nossa "política politiqueira"?

O pluralismo político se baseia na possibilidade de oferecimento real de oposição ao poder estabelecido, de forma a se assegurar a respiração do poder. Assegurar a rotatividade do poder, que impeça o seu acúmulo e os consequentes abusos, que por fim levam ao totalitarismo, como bem demonstra a história da humanidade. Não vejo como nossa atual legislação eleitoral esteja de acordo com o pluralismo político.

Enfim, percebemos que nosso direito eleitoral não atende aos fundamentos constitucionais que foram legitimados por nossa nação e acatados pelo poder constituinte originário como cerne de nosso Estado. 

O Código Eleitoral que, no entender de nosso STF foi recepcionado por nossa Constituição (algumas partes foram derrogadas, outras recepcionadas como Lei Complementar e outras, ainda, como Lei ordinária - uma verdadeira bagunça…) é de 1965, de plena ditadura. Já passou o seu prazo de validade a muito tempo. E ninguém mexe uma palha para enterrá-lo e apresentar aos cidadãos um novo, que atenda aos preceitos de nossa nova Constituição cidadã. Que atenda aos preceitos de um verdadeiro ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Por isso, seu art. 224, que trata da hipótese de nova eleição no caso de haver nulidade de mais que 50% da votação, desconsidera a possibilidade de se somar a este percentual os votos que foram anulados por vontade do eleitor, como manifestação de desaprovação dos candidatos apresentados ao pleito. 

Os artigos 220, 221, 222, 223 e 224 (transcritos abaixo) tratam apenas das hipóteses de anulação ou nulidade da votação decorrentes de vícios do processo eleitoral, sem, no entanto, considerar vício o fato de que os eleitores não estão satisfeitos com nenhum dos candidatos oferecidos.

Bem, mas se estou dizendo que juridicamente não é possível no presente momento dar eficácia ao voto nulo como manifestação de indignação e recusa a legitimar candidatos que não queremos, por que então o defendo?

Simplesmente porque, apesar de juridicamente o voto nulo como manifestação não gerar eficácia jurídica, politicamente pode gerar muita eficácia POLÍTICA. 

Isso porque, na medida em que os eleitos não obtiverem nas urnas percentuais razoáveis de votação, terão ainda a legitimidade formal (jurídica) para o exercício de seus mandatos, mas não terão a legitimidade material, real, para tal exercício. E por isso pensarão mil vezes antes de exercerem seus mandatos da forma como vêm exercendo. 

Ainda, será impossível tapar o sol com a peneira, a partir de números oficiais de votos anulados como manifestação. A sociedade dará uma mensagem clara de que é preciso colocar em debate nosso sistema eleitoral como um todo, o funcionamento intrapartidário, a forma de participação popular na escolha dos candidatos que serão oferecidos nas eleições, a necessidade da Justiça Eleitoral agir com mais seriedade e responsabilidade frente às ditaduras intrapartidárias e as irregularidades e ilegalidades que ocorrem dentro dos partidos diariamente, aos olhos de todos, menos aos dos que têm por obrigação ver, que é o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral.

Ou seja, por mais que votar nulo não gere consequências jurídicas em um primeiro momento, gerará uma verdadeira revolução política, a médio prazo, capaz de reverter esse quadro de EXCLUSÃO POLÍTICA ao qual estamos sendo submetidos. 

Votar nulo poderá gerar a oportunidade de dar força aos cidadãos para que imponhamos a nossos representantes que façam uma verdadeira reforma política, coerente com os fundamentos constitucionais de nosso Estado democrático de direito e, principalmente, com nossa SOBERANIA POPULAR.

Por isso, como sempre repito, afirmo que, nestas eleições, irei pesquisar muito bem cada um dos candidatos que me apresentarem, na internet, nos jornais. Vou procurar saber de suas vidas pregressas, do que fizeram enquanto detentores de mandatos eletivos e enquanto cidadãos. Do que não fizeram, do que deixaram de fazer e deveriam ter feito. De quanto enriqueceram desde que entraram na vida pública, e como conseguiram isso.

Se de toda essa pesquisa eu concluir que existem candidatos que valem a pena o meu voto de confiança, votarei nestes. Se não conseguir achar nenhum, VOTAREI NULO, manifestando meu descontentamento com as opções que me foram impostas, e, principalmente, pelo fato de que estou sendo obrigado a votar, E EU NÃO VOU ASSINAR EMBAIXO DE NADA COM UMA FACA ENCOSTADA EM MEU PESCOÇO.

Respeito as opiniões em contrário, mas este é meu posicionamento, e estes são apenas alguns de meus argumentos.

Peço por favor que reflitam com senso crítico sobre todos esses dados e tomem suas próprias conclusões.

Grande beijo a todos.

*Edson Travassos Vidigal é advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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Código Eleitoral:

Art. 220. É nula a votação:

I – quando feita perante Mesa não nomeada
pelo Juiz Eleitoral, ou constituída com ofensa
à letra da lei;

II – quando efetuada em folhas de votação
falsas;

III – quando realizada em dia, hora, ou local
diferentes do designado ou encerrada antes
das 17 horas;

IV – quando preterida formalidade essencial
do sigilo dos sufrágios;

V. segunda nota ao Capítulo II – Do Voto Secreto,
localizada antes do art. 103 deste código.

V – quando a Seção Eleitoral tiver sido localizada
com infração do disposto nos §§ 4º e 5º
do art. 135.

Art. 221. É anulável a votação:

I – quando houver extravio de documento
reputado essencial;

II – quando for negado ou sofrer restrição o direito
de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de
protesto interposto, por escrito, no momento;

III – quando votar, sem as cautelas do art. 147, § 2º:

a) eleitor excluído por sentença não cumprida
por ocasião da remessa das folhas individuais
de votação à Mesa, desde que haja oportuna
reclamação de partido;

b) eleitor de outra Seção, salvo a hipótese do
art. 145;

c) alguém com falsa identidade em lugar do
eleitor chamado.

Art. 222. É também anulável a votação,
quando viciada de falsidade, fraude, coação,
uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego
de processo de propaganda ou captação
de sufrágios vedado por lei.

Art. 223. A nulidade de qualquer ato, não
decretada de ofício pela Junta, só poderá ser
argüida quando de sua prática, não mais podendo
ser alegada, salvo se a argüição se basear
em motivo superveniente ou de ordem
constitucional.

§ 1º Se a nulidade ocorrer em fase na qual
não possa ser alegada no ato, poderá ser argüida
na primeira oportunidade que para tanto
se apresente.

§ 2º Se se basear em motivo superveniente
deverá ser alegada imediatamente, assim que
se tornar conhecida, podendo as razões do
recurso ser aditadas no prazo de 2 (dois) dias.

§ 3º A nulidade de qualquer ato, baseada em
motivo de ordem constitucional, não poderá ser
conhecida em recurso interposto fora do prazo.
Perdido o prazo numa fase própria, só em outra
que se apresentar poderá ser argüida.

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade
dos votos do País nas eleições presidenciais,
do Estado nas eleições federais e estaduais ou do
Município nas eleições municipais, julgar-se-ão
prejudicadas as demais votações e o Tribunal
marcará dia para nova eleição dentro do prazo
de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

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