domingo, 1 de março de 2015

O "APERREIO" DE NOSSA DEMOCRACIA

Em meio a polêmicas ridículas como a discussão sobre a cor real de um vestido ou a nova tatuagem na bunda de uma modelo (e agora devem estar se perguntando: “qual?”), absurdos maiores como a criação de verba parlamentar para viagens de esposas de deputados, a construção de um shopping center no Congresso Nacional, ou a utilização, por parte de um magistrado, de bens de luxo confiscados pela justiça, soam banais.
É um verdadeiro abuso o que nossos agentes públicos estão fazendo com nossa democracia, com a Administração Pública, e com nós, cidadãos, que pagamos a conta, e pagamos o mico.
É rir de nossa cara de palhaço, atentar contra nossa inteligência, estuprar nossa dignidade, abusar de nossa credulidade.
Por um lado, o executivo nos dá sinais diários de autoritarismo, instransigência, desrespeito por nossas instituições democráticas e mesmo profunda incompetência (se não sabiam o que fazer, por que então atropelaram tudo e todos para lá estar?).
Por outro, nosso Legislativo, que deveria ditar os rumos de nosso país, tanto buscando o aperfeiçoamento de nosso ordenamento jurídico quanto fiscalizando politicamente o cumprimento, por parte do Executivo, da lei e das metas que foram votadas no parlamento, prefere se atolar na lama em um joguinho de “cabo de guerra” com o governo em busca de cargos e benesses pessoais.
Ao invés de se empenharem na resolução de problemas sérios que enfrentamos diariamente (como a corrupção, a promiscuidade politiqueira, os excessos de nossa carga tributária, a falta de condições de desenvolvimento de nossas pequenas empresas, de nossa agricultura familiar, o péssimo sistema educacional que temos, os problemas de transporte, de saneamento, de saúde etc.), preferem se entreter com seus próprios umbigos, com mesquinharias dignas de suas cabecinhas.
E o Judiciário? Este ente tão magnânimo, imponente e assustador, do alto de seus palácios de mármore branco, de suas togas negras que fazem inveja ao conde Drácula? Este ser tão imaculado que, dizem, é cego (surdo e mudo) quando e como lhe convém?
Este, que tem por obrigação constitucional fazer cumprir a lei, resguardar-nos dos abusos de nossos governantes (Essa é a função de uma Constituição, bem como de um Estado de direito), acaba por gostar também das tetas do Estado (de onde, dizem, jorra o mais docinho e viciante mel...) e passeia pela cidade de porche vestido em calcinhas de renda usadas em ensaios da Playboy…
Mas tudo, em meio a tanto absurdo, acaba virando banal, sumindo em meio a risadas nas pegadinhas do Faustão.
Antes era a política do “pão e circo”. Agora a do “bolsa e facebook”.

Com as bolsas, pode-se comprar não só pão, como também calças de luxo de 300 reais. Com o facebook, pode-se não só se divertir, quanto xingar à vontade quem quiser e, ainda de quebra, trabalhar de graça pro governo em sua política de disseminar frases de efeito infundadas e fomentar a discórdia social. 
Parabéns aos marqueteiros do governo. Se o governo não sabe governar, eles sabem enganar muito bem.
Blogs: edsontravassosvidigal.blogspot.com.br


Mas o que isso tudo que estou dizendo tem a ver com o título desse desabafo - “O aperreio de nossa democracia”?
Tem a ver que a palavra “aperreio”, que hoje é tão banal para nós, a ponto de usarmos quase diariamente, até como brincadeira, significa, na verdade, algo terrivelmente macabro, horrível, pavoroso, “horrorível” (como diria meu irmão). Algo “medonho”, em bom “maranhês”.
A palavra “aperreio”, como dizemos hoje, vem da palavra “aperreamiento” , que significa, em espanhol, literalmente, ser alvo de cães (perro - cachorro). O termo nasceu de uma prática comum entre os conquistadores espanhóis nas Américas, a de adestrar cães ferozes para amedrontar e impor seu poder aos nativos. Faziam isso simplesmente acostumando seus cães a comerem carne indígena, que era estocada em verdadeiros “açougues humanos”, onde eram pendurados pedaços de índios. Assim, ao comando “pega”, os cães acuavam, dilaceravam e comiam os indígenas que não se submetessem a seus caprichos, a seus abusos.
Leiam aqui um pequeno trecho de um relato do frei dominicano espanhol Bartolomeu de las Casas (1474-1566) sobre o assunto:
“Indo certo espanhol com seus cães à caça de veados ou de coelhos, um dia, não achando o que caçar, lhe pareceu que os cachorros tinham fome, e tirou um menino pequeno de sua mãe e com um punhal cortou-lhe em nacos os braços e as pernas, dando a cada cachorro a sua parte; e, depois de comidos aqueles pedaços, jogou todo o corpinho no solo a todos juntos.”
E então? Parece a vós algo repugnante? Pois é. O que estamos vendo é o mesmo fenômeno. Coisas repugnantes, que no meio de tantas outras coisas absurdas, tornam-se banal, e acabam se incorporando a nossa vida, a nossa linguagem, por mais que represente algo que nos faz imenso mal.
Nossa democracia é diariamente aperreada por cães que foram adestrados para isso, com o fim de dominar-nos, para que os abusos possam ser cometidos como se fossem a coisa mais comum…
Eu não quero ficar aperreado. Vocês querem?
* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nestas eleições pelo PTC, número 36222. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
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